quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Evasão escolar é "Bom pra tosse..." ?

 
Em seu livro “Historinhas malcriadas”, a autora Ruth Rocha apresenta um capítulo intitulado “Bom pra tosse”. Ao lermos o título, pressupomos uma história que envolva alguma lição de moral, pois o ditado popular bom pra tosse é, normalmente, usado com o sentido de castigar moralmente uma pessoa.



Ao iniciar a história, a autora descreve a situação de Alvinho, personagem principal, que “estava muito vagabundo, não estudava nada de nada, só queria ouvir música e comer sucrilho”. Diante dessas atitudes, a mãe do garoto, dona Branca, fica muito zangada e vai à escola falar com psicóloga. Destacamos que essa solução é muito frequente nas escolas: os professores, quando detectam problemas com os alunos, convocam os pais para que estes possam ter uma conversa com a orientadora pedagógica e/ou com a psicóloga, buscando compreender os motivos que justificariam as atitudes dos alunos, assim como propor uma possível mudança.
 
Durante a conversa, Alvinho esperava do lado de fora, e só consegue ouvir as palavras da mãe (“Paciência? Estou cansada de ter paciência...”), pois a psicóloga falava muito baixo. Notamos que a fala de dona Branca revela uma mãe que tem passado frequentemente por situações conflituosas, as quais a tem levado à exaustão, por esse motivo, perante o pedido de “paciência”, ela demonstra cansaço.
 
Em seguida, a mãe sai da sala da psicóloga, puxando o Alvinho pelo braço, muito nervosa; ela, segundo a descrição da autora, estava
 
resmungando que essas psicólogas não tem o que fazer e que só querem que as mães tenham paciência e que ela já estava cansada de aturar essas crianças e que o Alvinho tinha repetido o ano porque era muito sem vergonha, e vagabundo e etc. e tal (ROCHA, 1991, p. 28).

 

Nesse contexto, observamos uma opinião muito comum dos pais: que os psicólogos propõem sugestões genéricas, que não têm resultados para todas as crianças. Dona Branca retrata um pensamento recorrente na sociedade, de que os filhos são os grandes culpados por estarem desenvolvendo-se mal na escola, desconsiderando os fatores externos que podem influenciar o comportamento das crianças. Aparentemente, a psicóloga pode ter sugerido que a mãe converse com seu filho, buscando entender o que de fato está ocorrendo, quais os reais motivos que o tem levado ao péssimo desenvolvimento escolar, mas com paciência. A mãe, entretanto, acredita que a psicóloga não tem o que fazer, por isso fica pedindo paciência, e que a culpa era da sem-vergonhice e vagabundice do Alvinho. As demais ações da história são determinadas por esse pensamento errôneo de Dona Branca.
 
Depois de declarar sua revolta contra a psicóloga, dona Branca afirma que quando ela (psicóloga) tivesse filhos saberia o que é “bom pra tosse”. Ou seja, a psicóloga só entenderia o sentimento/a situação de dona Branca, quando tivesse os próprios filhos. Notamos que a mãe de Alvinho não se satisfez com os conselhos da psicóloga, por isso deseja que a ela “pague” com os futuros filhos, pois só assim ela compreenderia a dificuldade de educar mantendo a paciência (em outras palavras, ela “veria o que é bom pra tosse”).
 
Dona Branca, apesar de discordar da psicóloga, queria resolver a situação do filho. Desse modo, decidiu que o Alvinho ia trabalhar, “pra ver como é duro ganhar dinheiro”. A opinião de muitos pais é que seus filhos devem estudar primeiro, para depois ocuparem-se com o trabalho. Observamos que essa também era a vontade de dona Branca. Entretanto, Alvinho não demonstrava bom desempenho nos estudos, assim, a mãe resolveu arranjar um emprego para ele, “de entregador do supermercado”.

 
Diante da decisão da mãe, o Alvinho foi trabalhar. A família, nos primeiros dias, ficou empolgada e o enchia com várias perguntas: como é que foi? O que está achando? É dureza? ... Mas a resposta do garoto não era nada animada: bem; é... Notamos que Alvinho queria esconder da família o que estava vivenciando com a experiência de trabalhar. Esse é um momento intrigante da história, pois deixa o leitor, assim como os demais personagens, com o questionamento: ele está, ou não, gostando e se adaptando a nova experiência? 
 
A família opta por considerar que “ele estava arrependido da vagabundagem”. Sua mãe acredita que dessa vez o Alvinho “consertaria”. No entanto, quando dona Branca vai falar com o garoto, dizendo para ele avisar o chefe que não iria trabalhar para fazer a matrícula no colégio, o grande mistério da história se revela nas palavras de Alvinho: “Matrícula? Que matrícula? Eu não vou mais para escola, não!”. Dona Branca se espanta com a resposta, e Alvinho encerra seu discurso defendendo que está
 
achando ótimo esse negócio de trabalhar. Eu fico o dia inteiro na rua, cada vez que vou fazer uma entrega eu vou pra um lugar diferente... Conheço uma porção de gente nova, ganho um bom dinheirinho, me encho de sorvete e de chocolate o dia inteiro, não me amolo com lição disso, lição daquilo, não tenho mais que me preocupar com equação de 1º grau, estou achando ótimo... (ROCHA, 1991, p. 31).




Observamos, portanto, que o garoto omitia sua satisfação com o emprego para não decepcionar a família, pois esta desejava que o emprego fosse um castigo e que servisse como uma lição, na qual a conclusão seria uma valorização dos estudos. Contudo, “o tiro saiu pela culatra” e, ao invés de valorizar o estudo, Alvinho gostou da “liberdade” oferecida pelo emprego, preferindo permanecer neste a voltar a se aborrecer com as “chatices” da escola.
 
A historinha termina com a mesma situação evidenciada no começo: “Dona Branca passou o dia inteiro no colégio conversando com a psicóloga. (...) Paciência? Estou cansada de ter paciência... Essa repetição denota que não houve mudança na conduta do menino – da mesma maneira que a situação se repete, o desânimo e desinteresse do filho também persiste (bem como a falta de paciência da mãe). O fato de dona Branca ir contra as orientações da psicóloga, propondo soluções que ela (assim como muitos pais da sociedade) julgava eficaz, conduziu o filho a distanciar-se ainda mais da escola. A “moral” proporcionada pela brilhante historinha é que um pouco de paciência pode ser, sim, a melhor solução.

Com base nesse contexto, podemos inserir a história “Bom pra tosse...” em um dos grandes problemas da sociedade, em específico, do sistema educacional em nosso país. A evasão escolar é um dos grandes problemas da educação brasileira, nota-se que nos últimos anos o número de alunos que desistiram de ir para a escola só aumentou e esse retrato social tem como plano de fundo a situação econômica que boa parte das famílias brasileiras tem vivenciado nas últimas décadas.
 
A desistência da escola tem um número acentuado entre o 6º e 9º ano e principalmente entre os meninos, isso porque são eles que preferem trabalhar a estudar. Em alguns casos é o menino que faz papel de “homem da casa” tendo que cuidar e sustentar da mãe e irmãos. Infelizmente, uma realidade que está cada dia mais frequente nas escolas. Tendo em vista o número de mulheres para cada homem em uma sala de aula, já podemos ter uma ideia dessa realidade.
 
“Bom pra tosse...”, contando a história de um menino que teve como castigo ter que trabalhar, ilustra com toda realidade e clareza nas palavras de Ruth Rocha mais esse problema social. Embora, em seu caso, Alvinho tenha sido castigado, não podemos deixar de lado essa crítica tão marcante do livro. Rocha com suas palavras que aproximam tanto o leitor, conseguiu transformar uma historinha infantil em um bom livro de análise social. Até quando devemos encarar essa evasão como algo comum ou rotineiro nas escolas? O que é melhor para o adolescente? Escola ou trabalho? No caso do garoto Alvinho, o trabalho foi uma solução eficaz, mesmo ele vendo somente o lado “fácil” daquele emprego que lhe arrumaram. Porém, as respostas para essas perguntas ainda são bastante complicadas de serem respondidas, porque nem todos os críticos e psicólogos do mundo conseguiriam resolver a mente humana, cada pessoa tem uma afinidade ou mesmo aptidão para um determinado campo  social, a escola vem, de certa forma, direcionar o aluno para esse caminho.
   

3 comentários:

  1. Pessoal, não fica claro se a narrativa apresenta, ao final, algum direcionamento ideológico, alguma moral, ou se o impasse permanece em aberto. Isso é imortante para definir se a obra tem um caráter instrumental, ou utilitário, ou não, apresentando-se como instigadora de uma reflexão crítica sobre o problema da evasão escolar e do conflito entre escola X mercado de trabalho, entre outras coisas. Para discutir isso, é necessário considerar não somente o final, mas o tipo de narrador e seu ponto de vista (se é expresso ou não). Sugiro um retorno ao texto de Ruth Rocha. (prof. Marciano)

    PS: vocês esqueceram de assinar a postagem.

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