Neste ano de 2012, muito já se foi discutido que é o ano do centenário do escritor Jorge Amado. Muitas homenagens em diversos eventos, museus, entre outros pelo país inteiro. O autor tem livros e personagens para adultos conhecidos por todos, e eternizados por diversas séries na televisão... quem não conhece Gabriela, Dona Flor, e tantos outros? Mas deve ser novidade para alguns que ele escreve também para pequenos: A Bola e o Goleiro, A Ratinha Branca de Pé-de-vento e O Gato Malhado e Andorinha Sabiá.
Vamos abordar mais especificamente O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá, que foi um livro feito para presentear seu filho, João Jorge, sem intenção, a princípio, de publicação. Iniciamos com uma trova atribuída a Estevão da Escuna, um poeta popular:
O mundo só vai prestar
Para nele se viver
No dia em que a gente ver
Um gato Maltês casar
Com uma alegre andorinha
Saindo os dois a voar
O noivo e sua noivinha
Dom Gato e dona Andorinha.
Em seguida, a história traz o típico começo de contos de fada: “Era uma vez antigamente, mas muito antigamente, nas profundas do passado [...]" Apresenta as personagens: Manhã, o Vento, o Sol, a Noite, a Chuva e o Tempo, em uma narrativa em terceira pessoa. Ao longo da história, há a descrição de situações vividas entre essas personagens. O Vento, apaixonado pela Manhã, ao contar-lhe uma história fez com que ela se atrasasse na tarefa de apagar as estrelas. O atraso, que foi grande, fez com que muitas queixas se fizessem, de modo que o Tempo se viu obrigado a chamar a atenção da Manhã. Ao justificar para o Tempo o motivo da demora, este, interessado, diz à Manhã que, se a história que a fez perder a hora fosse realmente boa, ele a desculparia e também a presentearia com uma rosa azul.
Após essa parte da história, tem outra parte denominada "Parentesis", onde se conta a história de um gato que se apaixona por uma andorinha causando estranheza em todos os outros animais que habitavam um parque. A Andorinha está prometida ao Rouxinol mas, ao mesmo tempo, incentiva o amor do Gato. Acontecem juras, o Gato escreve poemas, eles passeiam juntos enquanto as outras personagens condenam o amor impossível. Então, é preciso ver o mundo de outra forma e deixar a vida fluir.
É importante notar que, a partir desse momento, a narrativa se efetiva de forma não linear. O narrador faz pausas, volta a fatos anteriores à sua narração, além de apresentar novamente, uma vez ou outra, os parênteses, com o mesmo objetivo: comentar o processo de construção da narrativa. A obra se estrutura em uma narrativa de encaixe: história dentro de outra história.
Um dos elementos mais interessantes presente nessa obra infantil é a marcação de tempo feita com base nas estações do ano. Segundo Coelho (2000), há inúmeros recursos que marcam o tempo na narrativa, que são utilizados para registrar o processo temporal em que as personagens estão envolvidas, como, por exemplo, a passagem das horas, dias, anos, a sucessão cíclica das estações, pela modificação do espaço, em que as coisas vão envelhecendo etc.
"Quando a Primavera chegou, vestida de luz, de cores e de alegria, olorosa de perfumes sutis, desabrochando as flores, vestindo as árvores de roupagens verdes"
"Este é um capítulo curto porque o Verão passou muito depressa com o seu sol ardente e suas noites plenas de felicidade."
"No outro dia o Outono chegou, derrubando as folhas das árvores. O Vento sentia frio, e, para esquentar-se corria zunido pelo parque. O Outono trazia consigo uma cauda de nuvens e com elas pintou o céu de cores cinzentas."
"Este devia ser um capítulo longo porque o começo do Inverno foi um tempo de sofrimento."
Percebendo o uso das estações do ano como marcação de tempo, verificamos os diferentes momentos por quais as personagens passam dependendo da época do ano, notando assim que a história se passa no decorrer de um ano.
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A Primavera é o inicio da história de amor entre o gato e a andorinha; é o tempo de felicidade para as personagens e o crescendo da intimidade no seu relacionamento; há alteração na Natureza e nas personagens; é a estação do amor e do sonho de um poeta.
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O Verão: o tempo foi curto, passou a correr, muito depressa porque foi um tempo de felicidade. A percepção que as personagens tiveram do tempo foi de que este passou a correr.
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O Outono: simboliza o tempo da partida e da separação. Para os protagonistas da história é um tempo triste e cheio de sofrimento. A alegria deu lugar à tristeza. Há modificação da paisagem e os habitantes do parque para com o gato. O gato tem a confirmação de que o amor deles é impossível. É um capítulo triste decorrido num tempo triste – o Inverno.
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Outro ponto importante a ser observado são as características das personagens, que são animais descritos com personalidades muito humanas. O artigo A narrativa de O gato malhado e a Andorinha sinhá: uma história de amor de Jorge Amado: fiando e desfiando a literatura infantil (Disponível em: http://migre.me/aV9Un), além de apresentar teorias acerca da literatura infantil, da obra de Jorge Amado, aborda especificamente esse livro e faz uma análise dos personagens, principalmente do Gato Malhado, em que ele é classificado como personagem redondo, pois demonstra complexidade e mudanças em seu comportamento ao longo da história quando conhece a andorinha e, assim, o amor. No início, é visto como um gato malvado, vilão da história, que os outros animais nem querem chegar perto. Quando começa a conversar com a andorinha, começa a amá-la e passa a ser alegre, feliz, carinhoso, realmente tocado pelo amor. Essa mudança é percebida pelos outros animais, que, então, começam a se aproximar dele. Essa reviravolta e complexidade é apontado pelos autores do artigo como algo não típico de histórias infantis. E a reviravolta não é observada só na personagem, mas também no enredo, pois a união dos dois é algo proibido, e a andorina acaba casando com o Rouxinol, deixando o gato muito triste.
Assim, entendemos melhor a trova apresentada no começo, e percebemos que a moral da história já estava presente nesse trecho, o livro fala das diferenças que impedem o amor do gato e da andorinha, que são considerados inimigos. Porém, a narrativa mostra como duas criaturas bem diferentes podem não só conviver em paz como mudar a maneira de ver o mundo.
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Concluindo, notamos, após essas análises acerca da narrativa enfocando especialmente as personagens, que não é uma história que pode simplesmente ser classificada como literatura infantil, pois apresenta conteúdos e estruturas bastante complexas - o que não se espera de uma obra para crianças. Porém, o importante é perceber, que mesmo sendo complexa, a mensagem que fica é muito boa para as crianças: de que o amor pode transformar tudo.
Referências:
AMADO, Jorge. O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá: uma história de amor. 2. ed. Rio de Janeiro: Record, 1979.
COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: teoria, análise, didática. São Paulo: Moderna, 2000.
GT 2 : Autores Consagrados
Ótimo post, pessoal! Mas ATENÇÃO: está faltando a referência/hiperlink de um texto citado (marquei em vermelho). Busquem-na e completem o texto. (prof. Marciano)
ResponderExcluirMais uma observação: no 3o paraágrafo: está correto "Parantesis"? É assim que se denomina a parte da história? (prof. Marciano)
ResponderExcluirSim, professor, é "parentesis" mesmo! Já vamos arrumar o hiperlink, obrigada!
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