Na história infantil “O reizinho mandão”, de Ruth
Rocha, observamos a mesma temática da obra analisada anteriormente (ver O
rei que não sabia de nada. Alguma novidade?):
o sistema político e a forma como os cidadãos
brasileiros têm se comportado perante as situações impostas pelas
“autoridades”.
A obra é narrada em terceira pessoa, em uma espécie de flashback, pois é um narrador que conta a história que seu avô contava, a história do reizinho mandão, que chegou ao poder após a morte de seu pai. Ao assumir o reino, o novo rei manda e desmanda na população, criando leis inúteis e proibindo a intervenção dos demais conselheiros. Notamos a acentuada ironia da escritora ao colocar em evidência, em seu texto, a ideia de que, além de não fazer nada para ajudar a população, o reizinho criava leis sem utilidade (“Fica terminantemente proibido cortar a unha do dedão do pé direito em noite de lua cheia!” / “É proibido dormir de gorro na primeira quarta-feira do mês”) apenas para mostrar o tamanho de sua autoridade/seu poder: “Agora, porque é que ele inventou essas tolices, isso ninguém sabia. Eu tenho a impressão de que era mesmo mania de mandar em tudo.”
O reizinho apresenta um autoritarismo exacerbado e quando as pessoas que estão em sua volta tentam se pronunciar ele as manda calarem a boca. Em virtude de toda essa autoridade, as pessoas passaram a não falar mais. Ao notar que as pessoas se calam perante ele, que abaixam suas cabeças e optam por não questionarem seu governo duvidoso, ele acredita ser o “melhor de todos” e que é acatado por ser uma pessoa muito importante. No entanto, destacamos que os cidadãos se calam não por respeito, mas por medo.
Depois de algum tempo, o rei se desespera com o silêncio do reino, como não consegue reverter a situação, percebe que precisa de ajuda. Desse modo, resolve procurar um sábio, de uma cidade vizinha. Foi para a cidade acompanhado de seu único amigo, um papagaio, que repete, insistentemente, a frase marcante do rei: “cala a boca”. A presença do papagaio na obra demonstra, como afirma Lourenço (2008, p. 237), dois fatos importantes, pois ele (a) “é considerado a ave nacional, por esse motivo foi feita a sua escolha como animal de estimação, pois a autora, de alguma forma, quis retratar o nosso país” e (b) “por ser um animal que repete tudo o que lhe ensinam, que era o que o reizinho esperava de seu povo, ou seja, que aceitassem os seus desmandos, fazendo o que ele mandava”. Desse modo, o papagaio representa um “símbolo da história”.
Quando chega à cidade vizinha, o reizinho encontra um sábio a quem busca ajuda. este, após xingá-lo, lhe diz que deve retornar ao seu reino e procurar pela única criança que ainda sabe falar, pois ela dirá o que ele deve fazer. Ao voltar a sua cidade, o reizinho percorre todas as casas, até que encontra uma menina que demonstrava falar. Ele insisti várias vezes para ela falar, mas a menina nada diz. Com isso, o reizinho se irrita. Ao ouvir a voz irritada do reizinho, o papagaio grita: cala a boca. Nesse momento, a menina se revolta e grita: cala a boca já morreu, quem manda na minha boca sou eu. Após essas palavras, que representaram liberdade para o povo do reino, a alegria volta a reinar no cidade. Oliveira (apud, LOURENÇO, 2008, p. 240) faz uma análise satisfatória dessa frase argumentando que ela representa “uma 'malcriação' muito comum na fala infantil, que no texto recupera a carga de rebeldia e imposição do direito à voz”. A autora vai além disso, observando também que esta voz é feminina e infantil, assim representando duas identidades oprimidas pela sociedade patriarcal, pois "Criança não se mete em conversa de adultos. A mulher deve obediência a seu marido. E por aí vai”. Com isso, observamos que a obra valoriza uma postura rebelde, enfatizando que não devemos nos calar perante o autoritarismo exacerbado.
Após a solução do conflito, que devolve a voz e a alegria ao povo do reino, o reizinho sai correndo sem deixar pistas do seu destino. Notamos, portanto, que a intenção do rei não era mudar, deixar de mandar todos calarem a boca e passar a dar ouvidos aos que os outros falavam, mas a falta de ter quem mandar calar a boca foi demais para sua personalidade egoísta e possessiva, tanto é que vemos no final do conto que não houve uma mudança de valores em seu caráter, pois ao se deparar com as vozes de todos, falando, cantando e sorrindo, ele ficou novamente perturbado, apavorado, e “saiu correndo pela estrada” por não se adaptar à alegria do país.
Vale ressaltar que
A obra é narrada em terceira pessoa, em uma espécie de flashback, pois é um narrador que conta a história que seu avô contava, a história do reizinho mandão, que chegou ao poder após a morte de seu pai. Ao assumir o reino, o novo rei manda e desmanda na população, criando leis inúteis e proibindo a intervenção dos demais conselheiros. Notamos a acentuada ironia da escritora ao colocar em evidência, em seu texto, a ideia de que, além de não fazer nada para ajudar a população, o reizinho criava leis sem utilidade (“Fica terminantemente proibido cortar a unha do dedão do pé direito em noite de lua cheia!” / “É proibido dormir de gorro na primeira quarta-feira do mês”) apenas para mostrar o tamanho de sua autoridade/seu poder: “Agora, porque é que ele inventou essas tolices, isso ninguém sabia. Eu tenho a impressão de que era mesmo mania de mandar em tudo.”
O reizinho apresenta um autoritarismo exacerbado e quando as pessoas que estão em sua volta tentam se pronunciar ele as manda calarem a boca. Em virtude de toda essa autoridade, as pessoas passaram a não falar mais. Ao notar que as pessoas se calam perante ele, que abaixam suas cabeças e optam por não questionarem seu governo duvidoso, ele acredita ser o “melhor de todos” e que é acatado por ser uma pessoa muito importante. No entanto, destacamos que os cidadãos se calam não por respeito, mas por medo.
Depois de algum tempo, o rei se desespera com o silêncio do reino, como não consegue reverter a situação, percebe que precisa de ajuda. Desse modo, resolve procurar um sábio, de uma cidade vizinha. Foi para a cidade acompanhado de seu único amigo, um papagaio, que repete, insistentemente, a frase marcante do rei: “cala a boca”. A presença do papagaio na obra demonstra, como afirma Lourenço (2008, p. 237), dois fatos importantes, pois ele (a) “é considerado a ave nacional, por esse motivo foi feita a sua escolha como animal de estimação, pois a autora, de alguma forma, quis retratar o nosso país” e (b) “por ser um animal que repete tudo o que lhe ensinam, que era o que o reizinho esperava de seu povo, ou seja, que aceitassem os seus desmandos, fazendo o que ele mandava”. Desse modo, o papagaio representa um “símbolo da história”.
Quando chega à cidade vizinha, o reizinho encontra um sábio a quem busca ajuda. este, após xingá-lo, lhe diz que deve retornar ao seu reino e procurar pela única criança que ainda sabe falar, pois ela dirá o que ele deve fazer. Ao voltar a sua cidade, o reizinho percorre todas as casas, até que encontra uma menina que demonstrava falar. Ele insisti várias vezes para ela falar, mas a menina nada diz. Com isso, o reizinho se irrita. Ao ouvir a voz irritada do reizinho, o papagaio grita: cala a boca. Nesse momento, a menina se revolta e grita: cala a boca já morreu, quem manda na minha boca sou eu. Após essas palavras, que representaram liberdade para o povo do reino, a alegria volta a reinar no cidade. Oliveira (apud, LOURENÇO, 2008, p. 240) faz uma análise satisfatória dessa frase argumentando que ela representa “uma 'malcriação' muito comum na fala infantil, que no texto recupera a carga de rebeldia e imposição do direito à voz”. A autora vai além disso, observando também que esta voz é feminina e infantil, assim representando duas identidades oprimidas pela sociedade patriarcal, pois "Criança não se mete em conversa de adultos. A mulher deve obediência a seu marido. E por aí vai”. Com isso, observamos que a obra valoriza uma postura rebelde, enfatizando que não devemos nos calar perante o autoritarismo exacerbado.
Após a solução do conflito, que devolve a voz e a alegria ao povo do reino, o reizinho sai correndo sem deixar pistas do seu destino. Notamos, portanto, que a intenção do rei não era mudar, deixar de mandar todos calarem a boca e passar a dar ouvidos aos que os outros falavam, mas a falta de ter quem mandar calar a boca foi demais para sua personalidade egoísta e possessiva, tanto é que vemos no final do conto que não houve uma mudança de valores em seu caráter, pois ao se deparar com as vozes de todos, falando, cantando e sorrindo, ele ficou novamente perturbado, apavorado, e “saiu correndo pela estrada” por não se adaptar à alegria do país.
Vale ressaltar que
Mesmo se apresentando como um anti-herói por suas
atitudes, o reizinho mandão decide “consertar o estrago” que tinha feito,
mostrando-se arrependido, e a partir desse momento ele muda, pois quer fazer
algo para ajudar as pessoas. Portanto, percebe-se que ele pode ser considerado
um herói, porque irá em busca da resolução desse conflito e assim ajudará o seu
povo (LOURENÇO, 2008, p. 238).
Em outras palavras, apesar das atitudes desaprováveis do reizinho (criando leis desnecessárias e humilhando a população com uso abusivo do poder), ele busca uma solução para o problema que ocasionou e acaba devolvendo a alegria ao seu povo.
Segundo Lourenço, há na obra uma crítica aos governos militares, uma vez que a primeira edição da obra é de 1978. No entanto a obra não tem sua significação limitada pelo momento a que se refere, apresentado-se ainda atual, pois:
(...) mesmo que a obra retrate um momento em que o Brasil
estava enfrentando, ela não ficou datada, considerando que nos dias de hoje,
ainda tem muito a nos dizer, pois os “reizinhos mandões” estão por aí,
independentemente da época, representando inúmeros personagens da cena pública
que mandaram e desmandaram a seu bel-prazer. Portanto, precisamos ser críticos,
como a menina da história, e não nos calar para a prepotência (LOURENÇO, 2008,
p. 234 - 235).
Notamos, assim, que os
reizinhos mandões ainda existem, mas cabe a população usar de “rebeldia” para
não ser vencida pelos dominantes autoritários. Para finalizar, Lourenço
afirma que
Para o
leitor, esta obra faz pensar sobre a consciência crítica, o sentido de justiça
e a capacidade de refletir sobre a questão do autoritarismo e da liberdade de
expressão. Entende-se que a autora quis transmitir ao longo dessa narrativa,
propostas éticas, de maneira implícita e agradável (LOURENÇO, 2008, p. 242).
Em nossa análise, afirmamos
que, nesse livro, a autora deixa implícito, ao finalizar sua história, um
conselho à sociedade: não calar seu grito de desespero e revolta, pois, assim, pode haver
uma mudança nas formas de governo, considerando que a voz de cada um é
necessária para revelar a insatisfação e a inconformidade da população.
GT 3 Literatura e ideologia
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