quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Adélia Prado para crianças

''Adélia é lírica, bíblica, existencial, faz poesia como faz bom tempo: esta é a lei,
não dos homens, mas de Deus. Adélia é fogo, fogo de Deus em Divinópolis.''
 
(Carlos Drummond de Andrade)


Olá leitores interessados por literatura infantil!


Hoje vamos falar de Adélia Prado. A escritora entrou para o rol dos bons escritores que, depois de se consolidarem na literatura adulta, escrevem para as crianças. Aos 70 anos, lançou seu primeiro livro na temática.
 
Adélia tem dois livros publicados para o mundo infantil: Quando eu era pequena e Carmela vai à escola, os dois contam a história da menina Carmela. No primeiro, lançado em 2006, a pequena mora com os pais e o irmãozinho mais novo no sítio do Vovô da Horta. O espaço se torna um oásis para as crianças, um lugar especial, quase um pedacinho do céu, com cheiros e cores que saltam das páginas do livro.



O consumo não era como é nos dias de hoje. Os brinquedos eram confeccionados com ferro - casinhas, cadeiras, cavalinhos, tudo feito carinhosamente pelo pai de Carmela. Ela levava uma vida bem simples, sua roupas eram costuradas pela mãe e o uniforme e o material escolar foram presentes do avô. Como não poderia faltar em um livro de Adélia Prado, a poesia surge em versos declamados pela menina e a religião aparece na leitura do missal, na reza do terço e nas orações.
 
Carmela volta aos livros em 2011, mas agora no cenário da escola: o primeiro amor, a primeira professora, o cheiro da comida do colégio, o nome dos coleguinhas, assim bem como a vendinha da esquina. Para Carmela, a escola é o lugar mais legal do mundo. Ela é apaixonada pelos livros, tira as melhores notas para orgulho dos pais, adora recitar poesia, mas também fala sem parar na fila da chamada e até troca de lugar com a melhor amiga.


Nas palavras da autora escrever para adultos e para crianças: “É a mesma diferença entre um vestido para uma velha senhora e para uma menina, feitas do mesmo pano. Os tamanhos são diferentes, mas o corte e a costura exigem o mesmo cuidado.” Nesta notícia você pode ler mais sobre a opinião de Adélia Prado.

Há quem diga que Adélia Prado usa da personagem Carmela para contar as suas experiências da infância, fica a dúvida: seria uma obra biográfica? Responde Adélia:
 
Sim, como toda e qualquer obra, não apenas literária. É impossível escrever a partir do nada. Falamos de nós mesmos quando falamos do mundo ou do outro. A obra é espelho, para mim em primeiro lugar, mas, como apenas memória não faz literatura, espero, então, que minhas lembranças estejam transfiguradas no livro e possam ser também as memórias de qualquer outra criança.

Os livros foram ilustrados docemente em tons pastéis por Elisabeth Teixeira.



GT 2: Autores Consagrados

domingo, 26 de agosto de 2012

A Moça tecelã, de Marina Colasanti, e o novo papel feminino nos Contos de Fadas


O conto “A moça tecelã” apresenta traços do gênero tradicional entrelaçados com uma situação social moderna, na qual a autora questiona os dogmas do casamento e da família e busca apresentar um processo de individualização, desejo de liberdade e independência.

O conto de Marina Colasanti fala sobre a vida de uma moça que passava os dias tecendo. Ela tecia desde a claridade do dia até os alimentos que consumia. Porém um dia, a moça percebeu que se sentia sozinha e começou a tecer um marido para lhe fazer companhia. Então, antes que a moça tecesse o último fio dos sapatos do futuro marido, um homem bateu à porta. Naquela noite, junto com seu amor, a tecelã pensou na família que teceria para aumentar sua alegria.

Mas logo o marido começou a fazer pedidos para a moça tecelã. Ele desejou uma casa melhor e depois um palácio cheio de criados. Quanto mais a esposa tecia mais ele pedia. Ela já não tinha tempo para tecer o sol e o dia e percebeu que seria bom estar novamente sozinha. Durante a noite, enquanto o marido dormia, ela desfez tudo que havia criado. Toda a riqueza construída para o amado desapareceu. A noite estava acabando e o marido, ao começar a acordar, sentiu-se estranho. Mas ele não pode levantar-se.

A moça tecelã desfazia o tecido dos sapatos do marido e aos poucos ele todo desapareceu. Novamente, em sua pequena casa, a tecelã pôde tecer as coisas que realmente lhe faziam feliz. E foi com uma linha clara como o sol que a moça tecelã começou a tecer os traços de luz que se reproduziam no horizonte.


(...) A noite chegava, e ela não tinha tempo para arrematar o dia. Tecia e entristecia, enquanto sem parar batiam os pentes acompanhando o ritmo da lançadeira.


Ao compararmos este conto de fadas de Marina Colasanti com os tradicionais, percebemos o quão este é moderno, no que se refere ao tema, à crítica desenvolvida ao longo da história e ao desenvolvimento do conto, misturando o real e o mágico, que se faz pelo ato do tecer.


Quando começamos a ler o conto, temos a sensação de que se trata de mais uma história na qual a mulher está submetida às tarefas realizadas no lar, pois a protagonista é uma tecelã dedicada ao ofício. Outro aspecto que se assemelha demasiadamente às características do conto de fadas tradicional é no momento em que a moça tecelã se sente sozinha e acredita que um homem é capaz de ampará-la e torná-la feliz, assim como construir a família “padrão”, um sonho da moça tecelã.

Mas, com a chegada do homem a rotina da protagonista toma outro rumo, e a mesma passa a desempenhar o ofício que antes era realizado com satisfação apenas para atender às exigências do marido. Temos aqui a “coisificação” da personagem, que serve de instrumento para suprir aos desejos capitalistas do marido, e consequentemente, uma quebra de expectativa da protagonista em relação ao propósito de possuir um marido e o que este realmente deseja. Neste ponto, a autora critica a submissão da mulher, o seu papel na sociedade. Há uma desconstrução da ideia de que a vida ideal seja a dedicação ao matrimônio, aos filhos e que estes sejam a “fonte da felicidade”.

O conto distancia-se dos contos de fadas tradicionais: a mocinha da história não atinge um “... e foram felizes para sempre” que leva ao desfecho do conto, ao contrário, o casamento é que traz em si a problemática da história: é com o casamento que ela começa a obedecer ordens e realizar tarefas matematicamente, a fim de servir aos anseios do marido, o qual coloca em primeira instância o capitalismo e o sentimento de posse.


Porém há a presença do “final feliz”, que se dá quando a protagonista percebe que antes do casamento era mais feliz e desconstrói, “desmanchando o que havia tecido”, tudo que adquiriu durante o matrimônio e que para ela não tinha propósito e torna à estabilidade retornando ao quotidiano, ao ato de tecer, ofício que antes realizava com muito apreço.


Referências:

Conto completo disponível em:

Entrevista com a autora Marina Colasanti:

Imagens: 




Grupo 5: Contos de Fadas na atualidade.




quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Perto do Coração Criança - de Clarice Lispector


Sim, esse título lembra um outro livro de uma escritora brasileira muito conhecida, Perto do Coração Selvagem, que foi o primeiro livro escrito por Clarice Lispector. A autora ficou muito famosa por diversos livros que todos conhecem: Água Viva, A Paixão Segundo GH, A Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres, Laços de Família, entre outros. E por incrível que pareça, escreveu também Literatura Infantil:
  • Mistério do Coelho Pensante, 1967
  • A Vida Íntima de Laura, 1974.
  • A Mulher que Matou os Peixes, 1969.
  • Quase de Verdade,  1978.
Quem já leu alguma obra da autora, como Água Viva, se impressiona ao descobrir que ela escreve livros para crianças, fica imaginando como será a narrativa. E irá se surpreender muito mais ao começar a leitura, pois Clarice escreve de maneira quase maternal, de forma a tentar envolver o pequeno leitor, sempre com muito carinho, como se estivessem ao seu lado, com o objetivo de criar intimidade, ganhar confiança dos pequenos. Podemos notar isso claramente em alguns trechos de A Mulher que Matou os Peixes:
 
Antes de começar, quero que vocês saibam que meu nome é Clarice. E vocês, como se chamam? Digam baixinho o nome de vocês e meu coração vai ouvir.”

Cria, também, um clima de aconchego e conforto:

 
Sabem de uma coisa? Resolvi agora mesmo convidar meninos e meninas para me visitarem em casa. Vou ficar tão feliz que darei a cada criança uma fatia de bolo, uma bebida bem gostosa, e um beijo na testa.”


Em todas as obras, ela começa a narrativa aos pouquinhos, e não deixa de fazer intervenções ao longo do livro, sempre dialogando com o leitor, firmando a intimidade, e fazendo com que o leitor fique completamente envolvido, característica, também, muito comum em sua obra voltada para os adultos. A linguagem é simples, muito próxima à da criança. A obra é ainda recheada de onomatopeias, metáforas, aliterações, repetições, e outros recursos estilísticos.

Em O Mistério do Coelho Pensante, Joãozinho, é um coelho que pensa e tem ideias brilhantes e que ninguém sabe de onde vêm e, por isso, permanecem os “mistérios” do começo ao fim do livro.



Coelho é como passarinho: se assusta com carinho forte demais, fica sem saber se é por amor ou por raiva. A gente tem que ir devagar para ele ir se acostumando, até que ele ganha confiança.”



                                
Laura, uma galinha de “A Vida Íntima de Laura”, também pensa. Apesar de “burrinha”, tem “pensamentozinhos e sentimentozinhos”, e até cacareja assim: “Não me matem! Não me matem!”
 
Agora adivinhem quem é Laura.
Dou-lhe um beijo na testa se adivinhar.”

Laura, toda satisfeita, esfregou suas penas com o bico para alisar – igual como a gente penteia os cabelos. Porque ela é muito vaidosa e gosta de estar bem arrumada.”
 


 



 



Ulisses de Quase de Verdade é o cachorro que “poupa” o trabalho de Clarice ao contar a história, ou melhor, de ser o narrador.



 









Em A Mulher que Matou os Peixes, Clarice já começa se desculpando por ter matado os peixes. Mas foi tudo sem querer, e isso ela pode provar ao longo da narrativa, como promete logo no início.














Interessante assistir à entrevista da autora, concedida ao jornalista Junio Lerner, na TV Cultura, em 1977, Clarice Lispector fala, entre outras coisas, sobre sua produção literária para crianças. 

Temos aqui, a parte referida transcrita:

JL : Como você explica a Clarice Lispector voltada para a literatura infantil?
 
CL: Começou com meu filho quando ele tinha seis anos, seis ou cinco anos, me ordenando que escrevesse uma história para ele. E eu escrevi. Depois guardei e nunca mais liguei. Até que me pediram um livro infantil. Eu disse que não tinha. Eu tinha inteiramente esquecido daquilo. Era tão pouco literatura para mim, eu não queria usar isso para publicar. Era para o meu filho. Aí lembrei: "Bom, tenho, sim”. Então foi publicado. Foram publicados três livros de literatura infantil e estou fazendo o quarto agora.
 
JL: É mais difícil você se comunicar com o adulto ou com a criança?
 
CL: Quando me comunico com criança é fácil porque sou muito maternal. Quando me comunico com o adulto, na verdade, estou me comunicando com o mais secreto de mim mesma.
 
JL: O adulto é sempre solitário?
 
CL: O adulto é triste e solitário.
 
JL: E a criança?
 
CL: A criança tem a fantasia solta.

Clarice é uma escritora fascinante, misteriosa e considerada pela maioria de escrita difícil e densa, mas que instiga todos a lerem. E agora, quem não ficou com vontade de voltar a ser criança lendo as obras infantis?

Para finalizar este post, é necessário explicar um pouco a nossa temática. Antes, o tema era Autores Consagrados. Modificamos um pouco este tema, com consenso do professor. Falaremos de autores consagrados sim, mas que foram conhecidos pela Literatura Universal, e não pela infantil, como mostramos nessa postagem. Vale ler um texto que a equipe do ano passado fez: O Que Faz Um Escritor Ser Consagrado?
 
Outro ponto a ser considerado, é o titulo da postagem, Perto do Coração Criança, é uma obra publicada pela EDUEL (Universidade Estadual de Londrina), pelo autor Nilson Dinis, que retrata  e analisa a literatura infantil de Clarice Lispector. O download da obra pode ser feito, em pdf, neste site.

 
 
GRUPO 2 : Autores consagrados