quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Considerações sobre a ilustração do poema “O mosquito escreve”, de Cecília Meireles.


                As imagens que acompanham textos literários podem ter diferentes funções. Essas funções são estabelecidas a partir da relação construída entre a linguagem verbal e a linguagem visual, bem como a partir da intenção ou ponto de vista do autor/ilustrador. Seja qual for sua função ou intenção, a ilustração (imagem junto ao texto) contribui no processo de leitura. Sendo assim, nesta postagem, observaremos o papel de uma determinada ilustração a fim de mostrar as relações existentes entres esses dois âmbitos estéticos, o visual e o verbal.
 
            Escolhemos uma analise já trabalhada pelo ilustrador Luis Hellmeister de Camargo, em sua dissertação “Poesia Infantil e Ilustração: estudo sobre Ou isto ou aquilo de Cecília Meireles”. Neste trabalho, Camargo analisa três poemas “Ou isto ou aquilo”, “O colar de Carolina” e “O mosquito escreve” a partir de suas diferentes ilustrações. Devido aos limites e finalidades do gênero “blog”, optamos por apresentar somente um dos poemas analisados por Camargo, “O mosquito escreve”. Havendo o interesse, o leitor poderá verificar a analise dos dois outros poemas presentes na dissertação do autor que pode ser acessada online (vide referências bibliográficas).
 
            Em sua abordagem sobre ilustração e texto, Camargo discute as relações de coerência existentes entre esses dois tipos de linguagem, visual e verbal. O autor também trata das diversas funções da linguagem e da imagem, trata da denotação e conotação, mas não focaliza o ponto de vista do autor/ilustrador analisados. Para fins deste trabalho, focaremos aqui somente a relação entre as duas linguagens que ele procura apontar, bem como alguns pontos a respeito da conotação e denotação presentes nesta relação. Também optamos por não trabalhar com os aspectos formais do poema para conferir maior leveza à postagem.
 
            O poema “O mosquito escreve”, abaixo apresentado, denota o que já se é dito no título: um pernilongo que escreve seu nome, MOSQUITO. O pernilongo encontra algumas dificuldades para escrever seu nome, por exemplo, tremer na produção de algumas letras, mas logo em seguida as supera e descobre que não é mais analfabeto, pois sabe escrever. Toda esta atividade de escrever causa fome e cansaço ao mosquito e por isso ele precisa procurar seu alimento: alguém para ele picar.
 

O Mosquito Escreve

O mosquito pernilongo
trança as pernas, faz um M,
depois, treme, treme, treme,
faz um O bastante oblongo,
faz um S.

O mosquito sobe e desce.
Com artes que ninguém vê,
faz um Q,
faz um U e faz um I.

Esse mosquito
esquisito
cruza as patas, faz um T.
E aí,
se arredonda e faz outro O,
mais bonito.

Oh!
Já não é analfabeto,
esse inseto,
pois sabe escrever seu nome.

Mas depois vai procurar
alguém que possa picar,
pois escrever cansa,
não é, criança?

E ele está com muita fome.
 
            Como aponta Camargo (1998, p. 113), devido à ênfase na ação, o poema fica ágil e funciona como um desenho animado. Tal acontecimento somado ao fato de o narrador dirigir-se a criança com um vocativo (penúltimo verso: "não é, criança?) aproxima a criança do objeto tratado no poema, "o mosquito", tentando estimular a criança a ter mais simpatia pelo inseto (CAMARGO, p. 114). Mais do que simpatizar, o poema também leva a criança a ter empatia pelo mosquito, um ser que, como a criança, também esta aprendendo a escrever e a lidar com as dificuldades da arte da caligrafia; como a criança, ele também é pequeno, sente fome e também se cansa ao escrever. (CAMARGO, p. 114). Ainda no que se trata do sentido conotativo do poema, Camargo (p.113) afirma que essa aproximação da criança com o mosquito estabelece uma conotação positiva pronunciando o "caráter lúdico da escrita".
 
            A partir desta apresentação do poema, Camargo oferece cinco ilustrações diferentes (presentes em diferentes edições do livro) com o objetivo de apontar como elas se relacionam a esses dois aspectos do poema, o denotativo e o conativo, para por fim estabelecer as relações de coerência entre a linguagem verbal e a linguagem visual.
 
Escolhemos a ilustração de Maria Bonomi para a análise desta postagem.


 

         A ilustração acima pode ser encontrada na primeira edição do livro Ou isto ou aquilo de 1964.  Camargo descreve a ilustração como sendo “oito pernilongos, distribuídos em duplas, em quatro linhas, formando com seus corpos e patas as letras MO, SQ, UI e TO, ou seja, MOSQUITO [... sendo que eles são] representados com economia e dinamismo” (p. 120). Ainda, como se pode observar, os pernilongos são grafados com uma postura vertical e com suas patas reduzidas a duas, atribuindo à suas patas a ideia de pernas. Esses traços personificam os pernilongos e também os aproximam das crianças. A forma vertical em que se distribuem as letras oferece uma nova visão sobre a atividade de leitura, que deixa de ser horizontal e passa a ser uma atividade lúdica para a criança. (CAMARGO, 121)
:
Camargo também afirma que a “ilustração também narra uma cena, a pantomima de um pernilongo que escreve com o corpo a palavra MOSQUITO”, o que implícita que o ato de escrever pode ser uma brincadeira divertida. (p.121-122)
 
Esta breve análise da ilustração possibilita verificar a coerência existente com a análise previamente apresentada sobre o poema. Desta forma, podemos afirmar que a linguagem verbal e a linguagem visual dialogam e caminham juntas para uma interpretação coerente, desde os pontos denotativos até os conotativos.
 
Das cinco ilustrações apresentadas por Camargo, ele define esta de Bonomi como sendo:
 
“a que apresenta maior convergência com o poema: a seqüência narrativa, a agilidade, a personificação do pernilongo, o jogo com a escrita e a reiteração de linhas, formas e cores, que cumpre função homóloga à reiteração fônica, lexical e sintática no poema. Das cinco ilustrações é a única que enfatiza a ludicidade, convergindo, portanto, para a função dominante no poema. (p.129)
 
As outras quatro ilustrações apresentadas (e que podem ser verificadas na tese de Camargo ou nas edições dos livros de Cecília Meireles) não parecem ter convergência com o texto literário, mas sim um desvio ou mesmo contradição em relação ao poema (CAMARGO, p.131). Tal fato pode levar o leitor a interpretações que perdem a riqueza provida pela coerência do diálogo entre texto e imagem. No entanto, como ainda afirma o autor, não se espera que a ilustração represente tudo o que é denotado e conotado no texto, visto que ela pode oferecer o que autor chama de “relação metomínica” e que pode ser mais instigante para leitura. Assim, a convergência não precisa ser absoluta visto que há uma diferença entre a linguagem visual e a verbal, mas ela precisa se construir a partir de uma relação de coerência que o autor define como sendo intersemiótica.
 
            Para mais detalhes sobre a ilustração de Bonomi feita em Ou isto ou aquilo, convidamos o leitor a folhear o livro de Cecília Meireles e observar as relações entre as ilustrações e os poemas e assim verificar as questões apresentadas nesta discussão.
             
 
Referências bibliográficas

CAMARGO, Luís Hellmeister de. “Poesia Infantil e Ilustração: Estudo sobre Ou isto ou aquilo de Cecília Meireles. São Paulo, Unicamp, 1998 (Dissertação de Mestrado). Acessado em 17/09/2012, disponível em: <http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=vtls000135504

MEIRELES, Cecília. Ou isto ou aquilo. Il. Maria Bonomi. São Paulo: Giroflé, 1964.


Grupo 6: Ilustração

Um comentário:

  1. Alterei as fontes conforme orientação das regras (leiam elas com atenção!) e o título, tornando-o mais econômico/sintético. Bom texto! (prof. Marciano)

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