sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Vídeo com animação de "Menina bonita com laço de fita", de Ana Maria Machado

Já que estamos falando de relações etnicorraciais e ideologia na literatura infantojuvenil, não podemos deixar de mencionar, ler e discutir "Menina bonita do laço de fita", obra premiada e consagrada de Ana Maria Machado devido ao tratamento conferido à questão racial.
 

Abaixo, link para vídeo de uma dramatização do texto de Ana Maria Machado feita por alunos da Escola Evangélica Daniel Berg em Araguatins-TO.

http://ciberensino.blogspot.com.br/2010/05/dramaatizacao-de-menina-do-laco-de-fita.html

prof. Marciano Lopes
 
 

A ilustração do livro de literatura infantil limita ou amplia os sentidos de leitura?


Na postagem da semana anterior, fizemos uma discussão da relação entre o texto e a ilustração, através dos estudos feitos por Luis Camargo, além de analisarmos as ilustrações de um poema. Esse autor tem diversas pesquisas tratando da ilustração dos livros infantis. Para esta semana, vamos abordar um pouco mais o tema, buscando a ampliação de nossa base teórica e análises de ilustrações, a partir do ponto de vista de outra pesquisadora: Roselene de Fátima Coito (2012), em seu artigo “A ilustração: da materialização do interpretável”, que retoma e amplia os conceitos levantados por Luis Camargo.
 
        Em sua pesquisa, Coito (2012) descreve o trabalho de leitura em superfícies discursivas (texto, discurso, imagem) propiciando variados sentidos de interpretação sobre o enfoque da análise do discurso francesa. Argumenta que os sentidos estão vinculados a condições de produção de uma época, um lugar e uma superfície discursiva. Desta forma, analisa as possibilidades que um livro de literatura infantil oferece para leitura. A pesquisadora tem a visão de “como o ilustrador, em seus traços imagéticos relacionados ao texto verbal, produz deslocamentos e promove outra leitura a partir da leitura pressupostamente dada” (COITO, 2012 p.152). Para ela, a ilustração é vista como suporte de leitura.

        Coito classifica a ilustração como uma imagem, estudando as pluralidades de sentidos. De acordo com o filósofo Louis Marin, afirma que “os textos mudam a imagem que os atravessam em discurso e a transformação se dá em dois sentidos: a imagem atravessa os textos e os muda; atravessados por elas os textos as transformam.” (apud Marin, 1993, p.9). Com isso, vemos as transformações no âmbito da leitura que vão sendo estabelecidos ao se relacionar imagem e texto para a produção discursiva e seus efeitos. Ainda, a imagem pode limitar as possibilidades na produção de efeitos.

Pêcheux, em papel da memória, assevera que a imagem funciona no entrecruzamento de três memórias: a mítica, a social e a histórica. Esse filósofo tem na imagem o conceito de operador de memória. Ao operar memórias, a imagem se dá como um operador complexo, já que o efeito de repetição e de reconhecimento faz da imagem uma recitação de um mito; as práticas fazem da imagem a construção de uma memória social e o historiador faz da imagem um construto. Nessa complexidade da imagem, a imagem opera memórias. Contudo, a inscrição do acontecimento na memória pode chegar a não se inscrever ou ser absorvido pela memória. Neste sentido, a imagem, contrário do que possa parecer em sua evidência, é opaca e muda (COITO, 2012, p.153-154).
 
Segundo Coito, as ilustrações não são levadas muito a sério no Brasil, não devido às técnicas de uso, mas a não importância dada no instrumento de leitura delas. “Por muito tempo a ilustração foi tida como complementar do texto verbal e como puro ornamento com a função de distração e facilitação de acesso à leitura (COITO, 2012, p.158) “(...), ou seja, a ilustração tem essa função, mas vai, além disso, “funciona como alimentadora de outras leituras, tendo em vista que a imagem, por si só, representa um modo autônomo de comunicação (COITO, 2012, p.158)”. Porém, o modo autônomo de ver as imagens, tomada como ilustração pode limitar a produção de sentidos.
 
        Depois de todo esse panorama teórico que foi levantado, a autora se pergunta se a ilustração do livro de literatura infantil limita os sentidos ou promovem outros sentidos de leitura.
 
        Para isso, são observados duas ilustrações de autores diferentes de um mesmo livro infantil. A obra é A mulher que matou os peixes, autoria de Clarice Lispector, de 1969, publicado em edições de 1983, ilustrado por Carlos Scliar, editora nova Fronteira, e 1999, com ilustração de Flor Opazo, editora Rocco. Segue abaixo as ilustrações:
       



                Carlos Scliar (1983)

 
                 Flor Opazo (1999)
 
            A ilustração de Scliar possui traços em preto e branco e a figura, segundo Coito (2012), não consta no texto escrito e, para o leitor, sua presença na ilustração é um enigma.
 
        Na ilustração de Opazo, no mesmo trecho na qual foi ilustrado anteriormente, vemos um alargamento nos detalhes da figura.

“Nesta ilustração que marca a sombra da escritora em um ambiente fechado e com referências a outros textos desta mesma autora – nas figuras do pintinho, do rabo da macaca Lisete, da Barata -, a ilustradora Flor Opazo instaura seu dizer pictório no movimento da repetição, inclusive da repetição de uma figura que o ilustrador Carlos Scliar utiliza”. (Coito, 2012, p.161)

Ou seja, a ilustração de Opazo é uma repetição tanto do texto fonte de Clarice, como também das ilustrações de Scliar, no caso, a lagartixa.
 
        A pesquisadora argumenta que a lagartixa na primeira edição não tinha uma contextualização do ambiente e espaço, mas na versão mais nova já se tem um contexto, destruindo a ideia de um enigma. Na versão de 1983, não se sabe em qual superfície a lagartixa se encontra, se é na parede, no chão ou em outra superfície qualquer; já na de 1999, ela está na parede. O jeito como a lagartixa está posicionada na primeira ilustração, observando os fatos, mostra uma diversidade de leituras.
 
        Ainda, em outra passagem do livro verificam-se as seguintes ilustrações:

           Carlos Scliar (1983)

            Flor Opazo (1999)

            Observando essas duas ilustrações, notamos a diferença de ambas que, quando formos ler o texto, possuirá leituras diferentes.
 
        Coito (2012) afirma que o estilo de desenho de Scliar permite uma abertura para diversas interpretações. Por exemplo, a sua ilustração, faz com que o leitor possa criar a sua macaca Lisete, diferente da descrita no texto fonte, isso ocorre pela utilização de sua técnica ilustrativa:  

“(...) os traços em fuga, preto e branco, vazados, ocupando quase que meia página da folha, indicam que o ilustrador não se posiciona apenas como leitor do texto verbal, mas como um coautor que institui a sua autoria no texto não verbal.” (Coito, 2012, p.162).
 
        Já a ilustração de Flor Opazo não tem essa abertura para novas interpretações. Ela não é a coautora, mas apresenta a sua marca de autoria, não ocorrendo o deslocamento para outros sentidos. A ilustração segue “em risca” o texto fonte de Clarice Lispector. Aqui a função é de complementação do texto verbal (Coito, 2012, p. 162).
 
        Desta forma, nota-se a diferença por partes dos ilustradores de literatura infantil. A ilustração de Scliar faz com que o leitor crie várias interpretações, através dos seus traços indefinidos, propiciando leituras mais amplas, por outro lado a ilustração de Opazo, “mesmo criando um efeito de complementariedade do verbal e de intertextualidade clariciana, permitem uma leitura em que o sentido é mais limitado pela imagem pictórica do que os efeitos de sentido produzidos pelas imagens de Carlos Scliar” (Coito, 2012, p.163).
 
        Para finalizar, Coito (2012) afirma que a imagem está vinculada ao social, fazendo a construção de uma memória social, que se desdobrará em novos discursos e em novas possibilidades de ler as imagens, no ato de ler. A maneira como o ilustrador lê e interpreta o texto verbal faz com que o leitor possa deslocar os sentidos ou não. Através da leitura produzimos sentidos que podem variar com as condições de produção nas variadas instâncias históricas. “A ilustração é uma superfície material em que as materialidades do interpretável se dão a ler” (Coito, 2012, p.164).
           
 
Bibliografia:
 
COITO, Roselene de Fátima. A ilustração: da materialização do interpretável. In: NAVARRO, Pedro; POSSENTI, Sírio(Org.). Estudos do texto e do discurso: Práticas discursivas na contemporaneidade. São Carlos: Pedro e João Editores, 2012. P. 151-165.
 
LISPECTOR, Clarice. A mulher que matou os peixes. Capa e ilustração Carlos Scliar. 6 ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1983.
 
___. A mulher que matou os peixes. Ilustração Flor Opazo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

Grupo 6: Ilustração