Na
postagem da semana anterior, fizemos uma discussão da relação entre o texto e a
ilustração, através dos estudos feitos por Luis Camargo, além de analisarmos as
ilustrações de um poema. Esse autor tem diversas pesquisas tratando da
ilustração dos livros infantis. Para esta semana, vamos abordar um pouco mais o
tema, buscando a ampliação de nossa base teórica e análises de ilustrações, a
partir do ponto de vista de outra pesquisadora: Roselene de Fátima Coito
(2012), em seu artigo “A ilustração: da materialização do interpretável”, que
retoma e amplia os conceitos levantados por Luis Camargo.
Em sua pesquisa, Coito (2012) descreve o
trabalho de leitura em superfícies discursivas (texto, discurso, imagem)
propiciando variados sentidos de interpretação sobre o enfoque da análise do
discurso francesa. Argumenta que os sentidos estão vinculados a condições de
produção de uma época, um lugar e uma superfície discursiva. Desta forma,
analisa as possibilidades que um livro de literatura infantil oferece para
leitura. A
pesquisadora tem a visão de “como o ilustrador, em seus traços imagéticos
relacionados ao texto verbal, produz deslocamentos e promove outra leitura a
partir da leitura pressupostamente dada” (COITO, 2012 p.152). Para ela, a
ilustração é vista como suporte de leitura.
Coito classifica a ilustração
como uma imagem, estudando as pluralidades de sentidos. De acordo com o
filósofo Louis Marin, afirma que “os textos mudam a imagem que os atravessam em
discurso e a transformação se dá em dois sentidos: a imagem atravessa os textos
e os muda; atravessados por elas os textos as transformam.” (apud Marin, 1993,
p.9). Com isso, vemos as transformações no âmbito da leitura que vão sendo
estabelecidos ao se relacionar imagem e texto para a produção discursiva e seus
efeitos. Ainda, a imagem pode limitar as possibilidades na produção de efeitos.
Pêcheux,
em papel da memória, assevera que a imagem funciona no entrecruzamento
de três memórias: a mítica, a social e a histórica. Esse filósofo tem na imagem
o conceito de operador de memória. Ao operar memórias, a imagem se dá como um
operador complexo, já que o efeito de repetição e de reconhecimento faz da
imagem uma recitação de um mito; as práticas fazem da imagem a construção de
uma memória social e o historiador faz da imagem um construto. Nessa
complexidade da imagem, a imagem opera memórias. Contudo, a inscrição do
acontecimento na memória pode chegar a não se inscrever ou ser absorvido pela
memória. Neste sentido, a imagem, contrário do que possa parecer em sua
evidência, é opaca e muda (COITO, 2012, p.153-154).
Segundo
Coito, as ilustrações não são levadas muito a sério no Brasil, não
devido às técnicas de uso, mas a não importância dada no instrumento de
leitura delas. “Por muito tempo a ilustração foi tida como complementar do
texto verbal e como puro ornamento com a função de distração e facilitação de
acesso à leitura (COITO, 2012, p.158) “(...), ou seja, a ilustração tem essa
função, mas vai, além disso, “funciona como alimentadora de outras leituras,
tendo em vista que a imagem, por si só, representa um modo autônomo de
comunicação (COITO, 2012, p.158)”. Porém, o modo autônomo de ver as imagens,
tomada como ilustração pode limitar a produção de sentidos.
Depois de todo esse panorama teórico que
foi levantado, a autora se pergunta se a ilustração do livro de literatura
infantil limita os sentidos ou promovem outros sentidos de leitura.
Para isso, são observados duas
ilustrações de autores diferentes de um mesmo livro infantil. A obra é A mulher que matou os peixes, autoria de
Clarice Lispector, de 1969, publicado em edições de 1983, ilustrado por Carlos
Scliar, editora nova Fronteira, e 1999, com ilustração de Flor Opazo, editora
Rocco. Segue abaixo as ilustrações:
Carlos Scliar (1983)
Flor Opazo (1999)
A ilustração de
Scliar possui traços em preto e branco e a figura, segundo Coito (2012), não
consta no texto escrito e, para o leitor, sua presença na ilustração é um enigma.
Na ilustração de Opazo, no mesmo trecho
na qual foi ilustrado anteriormente, vemos um alargamento nos detalhes da
figura.
“Nesta ilustração que marca a sombra da escritora em um ambiente fechado e com referências a outros textos desta mesma autora – nas figuras do pintinho, do rabo da macaca Lisete, da Barata -, a ilustradora Flor Opazo instaura seu dizer pictório no movimento da repetição, inclusive da repetição de uma figura que o ilustrador Carlos Scliar utiliza”. (Coito, 2012, p.161)
Ou seja, a ilustração de Opazo é uma repetição tanto do texto fonte de Clarice, como também das ilustrações de Scliar, no caso, a lagartixa.
“Nesta ilustração que marca a sombra da escritora em um ambiente fechado e com referências a outros textos desta mesma autora – nas figuras do pintinho, do rabo da macaca Lisete, da Barata -, a ilustradora Flor Opazo instaura seu dizer pictório no movimento da repetição, inclusive da repetição de uma figura que o ilustrador Carlos Scliar utiliza”. (Coito, 2012, p.161)
Ou seja, a ilustração de Opazo é uma repetição tanto do texto fonte de Clarice, como também das ilustrações de Scliar, no caso, a lagartixa.
A pesquisadora argumenta que a lagartixa
na primeira edição não tinha uma contextualização do ambiente e espaço, mas na
versão mais nova já se tem um contexto, destruindo a ideia de um enigma. Na
versão de 1983, não se sabe em qual superfície a lagartixa se encontra, se é na
parede, no chão ou em outra superfície qualquer; já na de 1999, ela está na
parede. O jeito como a lagartixa está posicionada na primeira ilustração,
observando os fatos, mostra uma diversidade de leituras.
Ainda, em outra passagem do livro
verificam-se as seguintes ilustrações:
Carlos Scliar (1983)
Flor Opazo (1999)
Observando essas
duas ilustrações, notamos a diferença de ambas que, quando formos ler o texto,
possuirá leituras diferentes.
Coito (2012) afirma que o estilo de
desenho de Scliar permite uma abertura para diversas interpretações. Por
exemplo, a sua ilustração, faz com que o leitor possa criar a sua macaca
Lisete, diferente da descrita no texto fonte, isso ocorre pela utilização de
sua técnica ilustrativa:
“(...) os traços em fuga, preto e branco, vazados, ocupando quase que meia página da folha, indicam que o ilustrador não se posiciona apenas como leitor do texto verbal, mas como um coautor que institui a sua autoria no texto não verbal.” (Coito, 2012, p.162).
“(...) os traços em fuga, preto e branco, vazados, ocupando quase que meia página da folha, indicam que o ilustrador não se posiciona apenas como leitor do texto verbal, mas como um coautor que institui a sua autoria no texto não verbal.” (Coito, 2012, p.162).
Já a ilustração de Flor Opazo não tem
essa abertura para novas interpretações. Ela não é a coautora, mas apresenta a
sua marca de autoria, não ocorrendo o deslocamento para outros sentidos. A
ilustração segue “em risca” o texto fonte de Clarice Lispector. Aqui a função é
de complementação do texto verbal (Coito, 2012, p. 162).
Desta forma, nota-se a diferença por
partes dos ilustradores de literatura infantil. A ilustração de Scliar faz com
que o leitor crie várias interpretações, através dos seus traços indefinidos,
propiciando leituras mais amplas, por outro lado a ilustração de Opazo, “mesmo
criando um efeito de complementariedade do verbal e de intertextualidade
clariciana, permitem uma leitura em que o sentido é mais limitado pela imagem
pictórica do que os efeitos de sentido produzidos pelas imagens de Carlos
Scliar” (Coito, 2012, p.163).
Para finalizar, Coito (2012) afirma que
a imagem está vinculada ao social, fazendo a construção de uma memória social,
que se desdobrará em novos discursos e em novas possibilidades de ler as
imagens, no ato de ler. A maneira como o ilustrador lê e interpreta o texto
verbal faz com que o leitor possa deslocar os sentidos ou não. Através da
leitura produzimos sentidos que podem variar com as condições de produção nas
variadas instâncias históricas. “A ilustração é uma superfície material em que
as materialidades do interpretável se dão a ler” (Coito, 2012, p.164).
Bibliografia:
COITO,
Roselene de Fátima. A ilustração: da materialização do interpretável. In:
NAVARRO, Pedro; POSSENTI, Sírio(Org.). Estudos
do texto e do discurso: Práticas discursivas na contemporaneidade. São
Carlos: Pedro e João Editores, 2012. P. 151-165.
LISPECTOR,
Clarice. A mulher que matou os peixes.
Capa e ilustração Carlos Scliar. 6 ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira,
1983.
___.
A mulher que matou os peixes. Ilustração
Flor Opazo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.
Grupo 6: Ilustração
Ótimo trabalho de pesquisa, ótimo post! Continuem assim! Fiz apenas algumas correções gramaticais e ajustes no estilo. (prof. Marciano)
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