domingo, 2 de setembro de 2012

O salto da literatura infantil brasileira – com uma perna só!


Os primeiros textos da literatura infantil brasileira foram publicados no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, e eram muito dependentes das influências europeias, transmitindo valores estrangeiros. Mas em 1921 a publicação de A menina do Narizinho Arrebitado, de Monteiro Lobato, veio para inaugurar um movimento de mudança na feição da literatura para crianças brasileiras. Algumas das grandes contribuições deste autor estavam ligadas à escolha de escrever a partir do ponto de vista da criança, e desta forma, antes de tencionar arraigar valores nesse público por meio de sua obra, procurou interessar e divertir o leitor, colocando crianças como protagonistas de suas aventuras, sendo estas ativas e nem sempre obedientes, passivas e subservientes, como eram as personagens principais dos contos da literatura europeia.

Monteiro Lobato
Lobato insere suas personagens em situações em que a carência de saber cria problemas a elas, de maneira que a obtenção de conhecimento lhes propicia novos caminhos e soluções para os obstáculos encontrados. Suas atenções se voltam para o mundo exterior e para a aquisição de informações de tipo objetivo, quer no âmbito da História, Ciências Naturais, da Gramática ou mesmo Mitologia. Desta forma, o caráter informativo de sua obra revela intenção pedagógica. Quanto à questão da fantasia, o autor a utiliza como forma de reflexão e libertação em relação à realidade, pois apesar de, em toda  a sua obra infantil, a estruturação das histórias se dar a partir de um auxílio mágico (o faz-de-conta de Emília, a inteligência de um sabugo falante, a fidelidade de um rinoceronte, por exemplo) a inserção de tais elementos coloca o leitor diante de assuntos ligados à realidade, de maneira a conhecê-la e questioná-la. Com isso, o leitor se depara com textos em que protagonistas crianças investigam e recebem informações que as instrumentam para a crítica. Tais constatações evidenciam a importância das obras do autor que tem como objetivo atingir o público infantil.
Outra grande contribuição da literatura infantil lobatiana é a inserção de figuras folclóricas originárias na cultura nacional oral em textos escritos, como é o caso do Saci Pererê.  Tal processo se deu a partir de uma pesquisa realizada por Lobato no começo do século XX. Primeiramente, é interessante observar que os mitos e figuras folclóricas têm por finalidade fornecer uma explicação para a origem e o motivo das coisas, como os fenômenos naturais e cósmicos: ciclos das estações do ano, do dia e da noite, da vegetação, da vida e da morte, por exemplo. Especificamente o mito do Saci têm funções morais e didáticas: durante a  escravidão, as amas-secas e os caboclos-velhos assustavam as crianças com os relatos das travessuras do negrinho fumador de cachimbo. Desde então, ele se encontra profundamente enraizado no imaginário dos brasileiros.
Por estar consciente da necessidade da criação de uma literatura autóctone e que pudesse registrar e valorizar marcas da cultura popular, é que Monteiro Lobato insere em suas obras direcionadas ao público infantil a figura do Saci Pererê. O autor o representa como um negro jovem de pele escura como o carvão, de uma só perna, que utiliza uma carapuça vermelha – que lhe concede poderes mágicos – sobre a cabeça, e sempre está com um cachimbo na boca. Quanto à sua caracterização psicológica, o saci é controverso: ao mesmo tempo que é brincalhão, travesso, divertido, bravo, corajoso, simpático e grande conhecedor das florestas, é rebelde, causador de transtornos, assustador, filho das trevas, alheio à luz e à cruz, além de cheirar a enxofre, e usar poderes mágicos para fins imorais, características atribuídas a seres demoníacos.

Saci Pererê


            No livro O Saci, Lobato conta a aventura de Pedrinho que, ao jogar uma peneira sobre um redemoinho de vento, captura um saci e o aprisiona em uma garrafa. É interessante observar que outras figuras folclóricas têm seu lugar nesta obra: em troca de liberdade, o diabinho leva o menino para uma aventura pela mata durante a noite. Pedrinho, então, conhece a Mula-sem-cabeça, o Caipora, o Boitatá e outras figuras mitológicas.
                Por meio de sua obra, Lobato desenvolve uma literatura distanciada das influências europeias, muito mais associada à nossa realidade, preservando e valorizando aspectos da nossa cultura oral por meio da escrita e formando leitores críticos, por mais jovens que sejam.

Dica de leitura:
 
Trecho do livro O Saci, que conta como Pedrinho descobre a melhor maneira de capturar um saci: http://ifolclore.vilabol.uol.com.br/lendas/gerais/g_saciML.htm

 
GT 1 - Contos de fadas e narrativas orais (mitos e lendas)

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