terça-feira, 27 de agosto de 2013

O índio "bom selvagem" na Literatura Infantojuvenil

Nossas crianças são presenteadas com várias personagens indígenas desde os primeiros anos de vida. As histórias em que o índio é representado acompanham também a faixa juvenil chegando aos leitores adultos. A gama de publicações é imensa e, para cada público específico, mais lançamentos aparecem a cada ano.
Para a grande maioria da população, causa surpresa o fato de escritores consagrados que, não sendo índios, têm em sua biografia romances com essa temática e voltados para o público infantil.

Um exemplo é o livro “As aventuras de Tibicuera” de Érico Veríssimo, em que a personagem narra sua trajetória através de fatos históricos do Brasil. Trata-se de uma mistura de fatos reais e ficção que, além de ensinar, diverte e permite que a história se desenrole como "um romance de aventuras que se passa na Terra e tem como personagem principal a Humanidade".

Mas, como esse índio brasileiro é representado nessas histórias? A representação quase sempre é a do índio como bom selvagem, conforme nos aponta Bonin e Kirchof:

 “ (...) a representação do índio como bom selvagem, tanto na visão hegemônica de sujeito dócil quanto na visão romântica de personagem idealizado. Geralmente ele  (índio),incorpora essas identidades quando é cristianizado ou submetido a um projeto de civilização, e assim, numa perspectiva utilitária, passa, de alguma forma, a servir ao colonizador .”

Tanto em “As aventuras de Tibicuera” como em “Expedição aos martírios” e “Volta à serra misteriosa” de Francisco Marins, essa representação se repete e deixa evidente o intuito de caracterizar esse herói romântico: índio cristianizado, dedicado totalmente ao branco, cheio de bravura e coragem.

BIBLIOGRAFIA

 VERÍSSIMO, E. As aventuras de Tibicuera. São Paulo: Companhia  das Letras, 2005.

BONIN, I.T., KIRCHOF, E.R. Entre o bom selvagem e o canibal: representações de índio na literatura infantil brasileira em meados do século XX.  Disponível em: www.revistas2.uepg.br   Capa  Vol. 7 (2012)
MARINS, F., Volta à Serra Misteriosa. Coleção A Aventura de ler – São Paulo: Editora Melhoramentos. 1977.
MARINS, F., Expedição aos martírios. Coleção A Aventura de ler – São Paulo: Editora Melhoramentos. 2005.
                                          
                                                                                              
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domingo, 25 de agosto de 2013

Os aspectos sociais presentes em "O DONO DA BOLA" - de Ruth Rocha.

                                  Para entender a história...

Essa história fala sobre um menino que se chamava Carlos Alberto conhecido como Caloca, que tinha dificuldades em ter amigos. Ele era considerado, na sua rua, como o menino com melhor condição financeira, ele era também muito egoísta, não deixava ninguém brincar com seus brinquedos.
De vez em quando havia um grupo de amigos que jogava futebol com uma bola improvisada de meia, pois não tinham condições de adquirir uma bola de couro igual a de Caloca. Porém, Carlos Alberto não cedia a bola, a não ser quando ele estivesse participando da brincadeira, e exigia que fosse da sua maneira. Até que, depois de muita confusão, devido suas chantagens e exigências, ele teve que sair da equipoe. E mesmo procurando outros times para se inserir, a busca foi inválida, pois ninguém o aceitava por não ter um espírito esportivo. Depois de muitas rejeições, e isolamento Carlos Alberto voltou a procurar o time da sua rua, e teve que se redimir e aceitar as exigências do grupo, que exigiu que a bola fosse doada para eles: ele não poderia levá-la embora. Não tendo opção, Caloca aceitou. Iniciaram os treinos para o campeonato, e venceram. Assim, Caloca permaneceu no time da rua.

Algumas Reflexões...

O texto "O dono da bola", publicada em 1967  livro Marcelo, marmelo, martelo e outras histórias, de Ruth Rocha,em uma perspectiva crítica, busca em seu contexto relatar as questões sociais e políticas da época em que foi escrito, e a diferença entre a classe média e baixa, despertando o leitor para refletir sobre o que se passa na sociedade, como se percebe no decorrer da narração, e quando a autora detalha as características requintadas dos brinquedos de Caloca.

“Caloca morava na casa mais bonita da nossa rua. Os brinquedos que Caloca tinha, vocês não podem imaginar! Até um trem elétrico ele ganhou do avô. E tinha bicicleta, com farol e buzina, e tinha tenda de índio, carrinhos de todos os tamanhos e uma bola de futebol, de verdade.”


Ruth deixa claro que o menino possuía mais recursos financeiros em comparação aos demais do bairro, possuía os melhores brinquedos, tinha uma linda bola de couro. Para deixar mais clara essa perspectiva social, a narrativa, no sexto parágrafo, acentua essa desigualdade entre os personagem que morava na mesma rua. Os supostos amigos estão à mercê das chantagens de Caloca, por não terem condições financeiras de adquirir uma bola de verdade, de couro, e só possuírem uma pequena bola de meia.

“O nosso time estava cheio de amigos. O que nós não tínhamos era bola de futebol. Só bola de meia, mas não é a mesma coisa.”... “Bom mesmo é bola de couro, como a do Caloca.”

Conforme Heck (2010), “A autora utiliza em suas obras uma retórica de cunho crítico, no qual esses frutos se constituem de um protesto contra as injustiças sociais resultantes do sistema político, da época”. Ainda de acordo com Heck, as diferenças sociopolíticas que nossa sociedade enfrenta são temas eminentes em suas obras, como se percebe de uma forma mais delicada, quando a autora coloca o personagem Caloca de classe média, sendo o dono da bola de couro, e os colegas de classe baixa, possuindo a bola de meia. E continua ainda mais, quando deixa claro que o personagem Caloca é quem decide, dita regras, e faz com que os demais garotos se sujeitam as suas vontades, opiniões, por perceberem que não podem competir com igualdade.

“Carlos Alberto pulou, vermelhinho de raiva: – A bola é minha, eu carrego quantas vezes eu quiser!”

Por fim, a autora coloca nos últimos parágrafos da história, que seria bem mais positivo, se o rei começasse a reinar com igualdade de pensamento, com sutileza e democracia, desse modo ela coloca o personagem Caloca se redimindo de sua postura dominante, e se transformando em um personagem mais humilde.

“No domingo, ele convidou o Xereta para brincar com o trem elétrico. Na segunda, levou o Beto para ver os peixes na casa dele. Na terça, me chamou para brincar de índio.  E, na quarta, mais ou menos no meio do treino, lá veio ele com a bola debaixo do braço. – Oi, turma, que tal jogar com uma bola de verdade?”... “Mas eu quero dar a bola ao time. De verdade!”

A autora, como narradora da história, solicita, no final do texto, a interferência do leitor, lhe sugerindo que faça de conta que Caloca tinha um diário e, por conseguinte,  escreva o diário de Caloca, e contando como ele se sentia desde quando ganhou a bola até quando deu ao time, chegando para problemática de quais seriam as reais ideias que levaram o personagem Caloca ser daquela forma, egoísta. 
Dessa forma, ela leva o leitor a outro lado da história, uma reflexão de meio social e mundo interior, da mesma maneira em que recria no universo infantil a problemática social, tão conturbada naquele período histórico,  abordando até mesmo questões étnicas, sobre a pluralidade de raças, por meio das ilustrações.

Embora a autora, em uma de suas entrevistas tenha deixado claro que distingue as coisas de crianças e as coisas de adultos, e que problema de adulto não é problema de adulto, na mesma entrevista ela diz escrever aquilo que sente, dessa forma, seria impossível não transmitir para sua escrita a realidade em que vive. Assim, mesmo que involuntariamente, ao recriar os problemas sociais em suas obras infantis e juvenis, ela proporciona ao leitor reflexões críticas acerca da meio social em que está inserido, ao mesmo tempo em que, ao fazer a criança de identificar com a narrativa, no sentido das “dificuldades de crianças” – que seriam as disputas por jogos, desejos por determinados brinquedos, conflitos de amizade, etc. - a autora auxilia seu leitor a lidar com essas dificuldades, observando os acontecimentos por perspectivas diferentes – no caso, as perspectivas da narrativa, do personagem (por meio do diário) e do próprio leitor. Assim, ressaltamos a afirmação de Cadermatori (1994):

“[...] a literatura infantil se configura não só como instrumento de formação conceitual, mas também de emancipação da manipulação da sociedade. Se a dependência infantil e a ausência de um padrão inato de comportamento são questões que se interpenetram, configurando a posição da criança na relação com o adulto, a literatura surge como um meio de superação da dependência e da carência por possibilitar a reformulação de conceitos e a autonomia do pensamento.”

Assim, a literatura infantil ultrapassa a simples perspectiva de “servir para criar o hábito de ler”, e atinge aspectos mais amplos, como interventora na produção do conhecimento e de um olhar mais crítico por parte da criança para o mundo à sua volta.
Sugerimos a leitura da história na íntegra, clicando aqui.
Se preferir, pode-se assistir ao vídeo narrando a história.

BIBLIOGRAFIA

HECK, Diana Milena; Nath-Braga, Margarete A. (Orientadora); Ruth Rocha: Um viés crítico de escritura - artigo publicado 08/10/2010- Cascavel-Pr, UNIOESTE. Disponível em:

CADEMARTORI, L. O que é literatura infantil?  6.ed.  São Paulo : Brasiliense, 1994. IN BASSO; C.M. a literatura infantil nos primeiros anos escolares e a pedagogia de projetos. Disponível em: http://coral.ufsm.br/lec/02_01/CintiaLC6.htm

ROCHA, Ruth. Marcelo, marmelo, martelo e outras histórias. São Paulo: LIS Gráfica e Editora LTDA, 1976.

GT 6

Teresinha e Gabriela: as (in)diferenças na construção de uma amizade



 
A história de Teresinha e Gabriela foi lançada em 1976, pela editora Salamandra/SP, sendo a segunda de três histórias publicadas no livro: Marcelo, marmelo, martelo e outras histórias.

Ruth Rocha em “Teresinha e Gabriela”

 
            A narrativa

A história fala sobre uma menina que se chamava Gabriela que em sua escola todas as crianças queriam brincar com ela. Até que um dia uma menina chamada Teresinha mudou-se para a sua rua.
Teresinha era completamente diferente de Gabriela, ela era loirinha, bonitinha, arrumadinha, usava vestido e era estudiosa enquanto Gabriela usava rabo- de cavalo no cabelo, era encapetada, sabia pular cordas e usava calças compridas.     
Gabriela começou a ter ciúmes de Teresinha, pois ela era arrumadinha e todos seus amigos só falavam dela. Por esse motivo, Gabriela menosprezava Teresinha antes mesmo de conhecê-la, pois essa só queria estudar, nem sabia correr e  não sujava  o vestido. Porém, Gabriela começou a mudar de comportamento ficando muito parecida com a Teresinha, tanto que até durante o recreio ela ficava fazendo tricô e, ao mesmo tempo, em contrapartida, Teresinha também mudava seu comportamento, ficando muito parecida com Gabriela. Quando as duas se viram pela primeira vez começaram a rir porque estavam mesmo engraçadas, se tornaram amigas e aprenderam muito uma com a outra.
 

 Algumas considerações
 

Nesta história, podemos notar que, além da arte, temos também o caráter utilitário da obra, ou seja, o caráter pedagógico. De uma forma bastante divertida e valendo-se de uma linguagem fácil e muitas ilustrações, Ruth Rocha aborda a temática das diferenças entre as pessoas. Nesse caso, a "moral", ou seja, o aprendizado que se pretende passar para as crianças é de que pessoas diferentes também podem ser amigas e que, além disso, pessoas diferentes podem aprender muito uma com a outra, exatamente por serem diferentes. Também podemos pensar que a autora aborda a questão do preconceito, pois as duas protagonistas, apesar de se conhecerem apenas pelo o que os amigos falavam para elas uma da outra, já não se gostavam.

"Acreditamos que boa parte da empatia, quase mágica, que o texto dessa autora estabelece com o leitor, origina-se em dois elementos chave. Em primeiro lugar, na linguagem utilizada, que é solta, coloquial, desprovida de artificialismos, muito próxima à do leitor, estabelecendo, por isso mesmo, um clima de cumplicidade entre narrador e ouvinte. Em segundo lugar, no olhar crítico com que a autora analisa e descreve situações e personagens, convidando o leitor a, ele mesmo também, analisar, criticar, julgar os fatos, numa postura mudancista, que rejeita o estabelecido e aposta no novo".(SILVA,2008, p.184).

Outro aspecto que também nos chama atenção nesta obra é a indagação que a autora faz para o seu leitor no final da história: “Você acha que foi bom ou que foi ruim Terezinha e Gabriela ficarem amigas?” o que a nosso ver é muito importante, pois a autora leva a criança leitora realizar uma reflexão.
 
Por ser uma história lançada em 1976, podemos nos atentar também para a descrição feita da personagem Teresinha: “Teresinha loirinha, bonitinha, arrumadinha. Teresinha estudiosa, vestida de cor-de-rosa”, que pode nos sugerir, por meio da figura de Teresinha, um discurso dos padrões que a sociedade da época esperava que as garotas seguissem - sempre arrumadinhas, quietinhas.

Para encerrar

Podemos concluir assim que a história de Teresinha e Gabriela transfere para seus leitores, por meio das palavras de Ruth Rocha, a conscientização de que não podemos ter um preconceito de uma pessoa só por aquilo que escutamos falar dela e, além disso, quando nos  aproximamos de pessoas com modos diferentes de viver do nosso, podemos ter um grande crescimento pessoal , pois é por meio das diferenças que aprendemos uns com os outros.

 
O vídeo a seguir, traz a história de Teresinha e Gabriela narrada e ilustrada. 
Vale a pena assistir.




BIBLIOGRAFIA:

SILVA, Vera Maria T. Literatura Infantil Brasileira: um guia para professores e promotores de leitura. Goiânia: Cânone Editorial, 2008, p.183-200.

ROCHA, R. Marcelo, Marmelo, Martelo e outras histórias. 
Disponível em: http://www.unilago.com.br/download/arquivos/20996/[Infantil]_Ruth_Rocha_-_Marcelo_Marmelo_Martelo.pdf 

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A verdade e a mentira na obra "Alvinho, a apresentadora de tv e o campeão", de Ruth Rocha

Para resumir a história...

O livro Alvinho, a apresentadora de tv e o campeão”, de Ruth Rocha, lançado em 1995, narra a história de um menino, chamado Alvinho, que conta muita mentiras. Na história, o personagem mente o tempo todo para sua mãe Dona Branca, para o pai, senhor Brigagão e para a professora, Dona Brites. Toda vez que ele se mete em apuros, inventa uma mentirinha. Num belo dia, Alvinho ficou vendo o campeonato de botão na escola e esqueceu-se da hora do almoço. Ao chegar em casa, sua mãe já estava zangada, então ele inventou que um furacão havia passado pela escola, dona Branca, que não era boba, começou a interrogá-lo. Para piorar, ele completou que o furacão era um bandido que gostava de furar e maltratar cachorros, por isso recebeu este nome. A mentira não colou e dona Branca ficou decepcionada mais uma vez com Alvinho.
No dia seguinte, ele chegou atrasado a escola, pois ficou vendo tv e perdeu a hora da aula. Como de costume inventou mais uma mentira para se safar, disse à professora que uma pedra enormíssima que estava no meio do caminho não o deixou passar. Dona Brites não acreditou, então Alvinho disse que era um bicho, de nada adiantou, mais uma vez passou por mentiroso.  Na saída da escola, enquanto esperava pelo ônibus passou um carro que abriu a janela e jogou um pacote. Curioso, Alvinho pegou o pacote, o abriu e percebeu que ele continha uma quantia em dinheiro. 
Mais do que depressa correu atrás do carro e devolveu o dinheiro. Para sua surpresa, quem estava dentro do carro era uma linda apresentadora de tv e o campeão mundial. Em agradecimento, os dois levaram Alvinho para conhecer Interlagos e depois lanchar. Em seguida deixaram-no em casa e prometeram voltar outro dia. Ao entrar em casa o menino levou uma bronca, pois mais uma vez chegou atrasado, além disso, a família estava desesperada com seu sumiço.
A esta altura da narrativa algo inesperado acontece, Ruth Rocha entra em cena e decide optar por dois finais para a história, no primeiro final Alvinho continua mentindo para seus pais.

Puxa vida, pai, eu esqueci da hora, fiquei assistindo à final do campeonato de pingue-pongue...

No segundo final ele relata a verdade para os pais sobre o pacote de dinheiro e o passeio com a apresentadora de tv e o campeão mundial, mas eles não acreditam em Alvinho, como penalidade seu Brigagão e Dona Branca colocam-no de castigo.
 
O pai resolveu:
-  Um mês sem videogame.
A mãe completou:
- Um mês sem refrigerante!
Geralda muito xereta, também palpitou:
- Um mês sem batata frita...
O pai continuou:
- Um mês sem televisão!
- A mãe completou:
- Um mês sem jogar jogo de botão.

De repente a campainha toca e aparece a apresentadora de tv e o campeão mundial com vários presentes, todos ficam boquiabertos, pois Alvinho estava dizendo a verdade.
 Este final diferencia-se um pouco das obras infantis tradicionais, pois não apresenta um final pronto. O narrador, após descrever a cena dos pais de Alvinho bravos e preocupados, entra em cena nas páginas finais e conversa com o leitor propondo finais diversificados para história, ou melhor, é o leitor que decide o melhor final para enredo. Assim, Ruth Rocha, ao escrever esta história, proporciona tanto aos pais quanto aos professores trabalharem uma das regras de conduta social, ou seja, o certo e o errado.
O livro “Alvinho, a apresentadora de tv e o campeão” faz parte da coleção “As aventuras de Alvinho” e é ideal para trabalhar a discussão sobre a “mentira e a verdade”, principalmente no período da infância, quando a criança inicia o primeiro ciclo escolar, entre 5 e 6 anos de idade e não consegue discernir o certo e o errado. A literatura infantil contribui para esse desenvolvimento da criança enquanto ser pensante e cidadão.

Para começar a conversa...

Conforme Coelho (2000. p. 27) “a literatura infantil, é antes de tudo, literatura, ou melhor; é arte: fenômeno de criatividade que representa o mundo, o homem, a vida, através da palavra”. A criança ao ter contato com a literatura infantil nos primeiros anos escolares dialoga com inúmeras situações e aventuras que estão ligadas ao seu cotidiano. Conforme Lajolo e Zilberman:

(...) Através das várias situações e aventuras, vão se desenvolvendo amor à pátria, sentimento de família, noções de obediência, práticas das virtudes civis. São crianças modelares, cuja presença nos livros parece cumprir a função de contagiar de iguais virtudes e sentimentos seus jovens leitores (Lajolo; Zilberman, 1999, p.33).
 
Por meio das histórias a criança além de se transportar para o mundo da fantasia também aprende algumas lições que são primordiais para o seu desenvolvimento social, psíquico e intelectual. Ruth Rocha, de forma lúdica e engraçada coloca em discussão o ato de mentir e como isso pode sair do controle e causar sérias consequências. No caso do protagonista “Alvinho” a consequência é a falta de confiança dos pais e pessoas próximas, pois ele é considerado o rei da mentira.  Conforme o trecho abaixo:

O alvinho andava muito mentiroso...
A mãe reclamava, a professora implicava e o pai, seu Brigagão, já estava ficando furioso:
- Olha aqui, Alvinho. Da próxima vez que eu pegar você mentindo vou lhe dar um castigo que você nunca mais vai esquecer...

Além disso, a obra desenvolve um caráter pedagógico ou utilitário, que pode ser notado através da linguagem empregada (simples), as imagens (que preenchem a maior parte do livro), os personagens (pai, mãe e professora) marcados no diálogo com o protagonista “Alvinho” e a ambientação (a casa e sala de aula). Porém, a narrativa não apresenta o “maravilhoso” típico dos contos de fadas, isto é, os seres sobrenaturais como fadas, bruxas, dragões entre outros, mas fatos contemporâneos e atuais características das obras de Ruth Rocha.  A autora ao desenvolver a temática sobre a mentira e a verdade permite a criança a sua emancipação enquanto ser no mundo, uma vez que a criança passa a refletir e formular suas próprias hipóteses, consequentemente enriquecendo sua aprendizagem e proporcionando, desta forma, a assimilação dos valores da sociedade. Percebemos que a linha de pensamento de Rocha, em suas obras, não impõe à criança a lei do mais forte ou o pensamento do adulto, mas a reflexão diante das situações que vivencia, seja no âmbito familiar ou escolar.

Leia a história na íntegra aqui.

Segue abaixo sugestões de leitura.
Coleção “As aventuras de Alvinho”, boa leitura!
                                        

BIBLIOGRAFIA

COELHO, NELLY NOVAES. Literatura Infantil: teoria, análise e didática. São Paulo: Ática Moderna, 2000.
LAJOLO, MARISA E ZILBERMAN, REGINA. Literatura Infantil Brasileira. História &história. São Paulo: Ática, 1999.
ROCHA, RUTH. Alvinho, a apresentadora de tv e o campeão/Ruth Rocha; Ilustração Ivan Zigg. – 4. ed. – São Paulo: FTD, 1999.

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Metalinguagem e educação em "Marcelo, marmelo, martelo", de Ruth Rocha



A obra Marcelo, Marmelo, Martelo, da autora Ruth Rocha, lançado no ano de 1976, já motivou a criação de músicas, teatro, estudos linguísticos, e, claro, não poderíamos deixar de dizer o quanto esta obra motivou milhares de crianças e adolescentes de diversas maneiras, seja para estudos, ou para o simples prazer da leitura. Apesar de também haver no livro as histórias “Terezinha e Gabriela” e “O dono da bola”; é a história do Marcelo que inicia a obra, assim como é a história a ganhar o favoritismo do público, atraindo milhares de leitores das mais variadas faixas etárias, sendo o livro mais vendido da autora até os dias de hoje, com mais de dez milhões de exemplares vendidos.
 
Embora mantenha o foco narrativo nos questionamentos de Marcelo e em suas atitudes, a autora sustenta um segundo plano recheado de abordagens sobre questões ideológicas, linguísticas, sociais e familiares, por meio de uma linguagem simples e cativante. Para uma melhor compreensão da obra, recomendamos sua leitura na íntegra, clicando aqui, ou assistindo ao vídeo a seguir.



Basicamente, a história aborda os questionamentos infantis acerca dos nomes das coisas, assim como a importância de ser compreendido e poder se expressar da forma como achar melhor. Talvez por isso atraia tantos leitores adultos. Conforme LAJOLO (1999):

“Apesar de ser um instrumento usual de formação da criança, participando, nesse caso, do mesmo paradigma paradigmático que rege a atuação da família e da escola, a literatura infantil equilibra e, frequentemente, até supera – essa inclinação pela incorporação ao texto do universo afetivo e emocional da criança. Por intermédio desses recursos, traduz para o leitor a realidade dele, mesmo a mais íntima, fazendo uso de uma simbologia que, se exige, para efeitos de análise, a atitude decifradora do intérprete, é assimilada pela sensibilidade da criança.”(LAJOLO; 1.999, p. 14).
No caso de Marcelo, Marmelo, Martelo, a escritora alcança essa perspectiva literária para as crianças, unindo os eixos escola/família, e ainda vai além. Ela demonstra que os questionamentos devem e podem fazer parte do indivíduo, sendo isso uma maneira de se adquirir uma identidade própria frente à sociedade e a família. O personagem principal realiza questionamentos o tempo, como podemos ver no trecho a seguir.


Marcelo vivia fazendo perguntas a todo mundo:
- Papai, por que é que a chuva?
-Mamãe, por que é que o mar não derrama?
- Vovó, por que é que o cachorro tem quatro pernas?
As pessoas grandes às vezes respondiam. Às vezes, não sabiam como responder.
-Ah, Marcelo, sei lá...


Uma vez, Marcelo cismou com o nome das coisas:
- Mamãe, por que é que eu me chamo Marcelo?
- Ora, Marcelo foi o nome que eu e seu pai escolhemos.
- E por que é que não escolheram martelo?
-Ah, meu filho, martelo não é nome de gente! É nome de ferramenta...
- Por que é que não escolheram marmelo?
Porque marmelo é nome de fruta, menino!
- E a fruta não podia chamar Marcelo, e eu chamar marmelo?


No dia seguinte, lá vinha ele outra vez:
- Papai, por que é que mesa chama mesa?
- Ah, Marcelo, vem do latim.
- Puxa, papai, do latim? E latim é língua de cachorro?
- Não, Marcelo, latim é uma língua muito antiga.


 Conforme Darós (2005) “A partir da década de 70, a Literatura Infantil sofre uma virada temática e passa a se sustentar em novos dogmas da educação: a valorização da criatividade, da independência e da emoção infantil, o chamado pensamento crítico”. Os constantes questionamentos feitos por Marcelo demonstram ao leitor que não é preciso sempre aceitar as coisas, sem precisar entender o “porquê” das coisas.
 
Essa leitura conduz a criança a uma meditação sobre coisas, pessoas, linguagem, família e sociedade, devido ao fato do personagem sempre observar os objetos, as coisas e suas funções, conforme vemos no trecho apresentado anteriormente. Marcelo não entende porque todos simplesmente aceitam as palavras como são e não questionam as origens de determinadas coisas, mesmo quando não possuem explicações convincentes para as suas dúvidas. O tema da linguagem encontra-se na reflexão que é realizada em torno das palavras e sua relação com o objeto; o da família encontra-se no papel desempenhado pelos pais de Marcelo, os quais procuram compreendê-lo e ajudá-lo com suas dúvidas e descobertas, não o recriminando. Por fim, o tema das relações com a sociedade encontra-se na presença da imagem dos vizinhos e na preocupação dos pais de Marcelo sobre o que eles pensariam ao ver Marcelo falando da forma como falava. 

Isso tudo nos conduziria também a possibilidade de se trabalhar a auto-aceitação que a autora proporciona ao leitor. Ruth demonstra a possibilidade de existir um indivíduo que seja aceito pela sua família e pela sociedade, apesar de ser capaz de criar ideias e realizar críticas e julgamentos sobre as coisas.

“Daí a alguns dias, Marcelo estava jogando futebol com o pai:

-Sabe, papai, eu acho que o tal de latim botou nome errado nas coisas. Por exemplo, por que é que bola chama bola?”
 
No trecho apresentado, conforme a parte em destaque, Marcelo já evolui de apenas questionamentos e começa a demonstrar sua opinião sobre o assunto. Até chegar o momento de assumir suas convicções, como percebemos em:
 
 “Pois é, está tudo errado! Bola é bola, porque é redonda. Mas bolo nem sempre é redondo. E por que será que a bola não é a mulher do bolo? E bule? E belo? E Bala? Eu acho que as coisas deviam ter o nome mais apropriado. Cadeira, por exemplo. Devia chamar sentador, não cadeira, que não quer dizer nada. E travesseiro? Devia chamar cabeceiro, lógico! Também, agora, eu só vou falar assim”.

Essa história expõe os conflitos internos da criança em relação a quem ela é e seu lugar no mundo, deixando clara a necessidade de a criança ser compreendida e orientada pelos pais, assim como de se posicionar em relação àquilo em que acredita. Note-se também a representatividade que possui na história a imagem do pai e da mãe, sempre presentes.

Apesar de ser uma história infantil, voltada a um público pueril, a autora não se utiliza aqui do “maravilhoso”, entendido como um recurso literário que transporta a criança do mundo real para um mundo de fantasia, por meio de ações e personagens “fantásticos”, como animais que falam, casas que voam, etc., frequentemente encontrado nesse tipo de literatura. Todavia, recorre ao cotidiano do universo real da criança, como casa, família, pai, mãe, animais de estimação, etc., e produz, por meio da narrativa, a identificação consciente ou inconsciente do leitor com situações específicas. Assim, concordamos com Silva quando diz:

“Acreditamos que boa parte da empatia, quase mágica, que o texto dessa autora estabelece com o leitor, origina-se em dois elementos-chave. Em primeiro lugar, na linguagem utilizada, que é solta, coloquial, desprovida de artificialismos, muito próxima à do leitor, estabelecendo, por isso mesmo, um clima de cumplicidade entre narrador e ouvinte. Em segundo lugar, no olhar crítico com que a autora analisa e descreve situações e personagens, convidando o leitor a, ele mesmo também, analisar, criticar, julgar os fatos, numa postura mudancista, que rejeita o estabelecido e aposta no novo.” (SILVA, 2008, p.184).

Assim, podemos perceber nessa obra, entre outras coisas, o trabalho abordado por Ruth Rocha, o qual aborda vários aspectos psicossociais, linguísticos, pedagógicos, culturais, sociais, etc. Dentre os quais, nesta breve reflexão, enfatizamos o aspecto psicossocial, entendido como concernente simultaneamente à psicologia individual e à vida social, longe de pretendermos esgotar as análises realizadas por esse viés, ou por outras perspectivas.

BIBLIOGRAFIA

DARÓS; J. S. Oficina literária: Contos infantis podem servir de apoio à produção de textos. Revista do professor. Porto Alegre, 2005. P. 24-28
 
LAJOLO, Marisa; ZILBERMAN, Regina. Literatura infantil brasileira: história e histórias. 6ª ed. São Paulo: Ática, 1999.
 
ROCHA, Ruth. Marcelo, marmelo, martelo e outras histórias. Rio de Janeiro: Salamandra consultoria Editorial S.A, 1976.
 
SILVA, Vera Maria T. Literatura Infantil Brasileira: um guia para professores e promotores de leitura. Goiânia: Cânone Editorial, 2008, p.183-200. Disponível em:

GT 6