domingo, 28 de outubro de 2012

A infância de Graciliano e os meninos pelados


     Quem já teve a oportunidade de ler algumas das obras consagradas de Graciliano Ramos como: “Vidas Secas”, “São Bernardo” ou ”Memórias do Cárcere”, pode se surpreender ao descobrir que o escritor de temas tão adultos e severos tenha escrito também "A terra dos meninos pelados", entre outros livros, para crianças e jovens.  
 



                             
                                                A terra dos meninos pelados, 1937
 

             A obra “A terra dos meninos pelados”, que ganhou o prêmio de literatura infantil dado pelo governo, ficou bastante conhecida por ter sido adaptada para diversas peças de teatro, musicais e, até mesmo, para uma microssérie infantil exibida pela Rede Globo, em dezembro de 2003. O livro conta a história de Raimundo, um menino que, além de ser careca, tinha um olho preto e o outro azul, o que era motivo de gozação entre as outras crianças. Sem poder falar com ninguém, Raimundo aprende a conversar sozinho e, para fugir de sua realidade solitária, cria um universo imaginário chamado "Tatipurun", onde os animais e plantas falam e todas as crianças são carecas e têm olhos como os dele. 
 
    O tempo passa e Raimundo é confrontado com a realidade da diferença mais uma vez, já que as crianças de "Tatipurun" não são tão iguais a ele quanto pareciam no início. O universo criado por Raimundo denota a necessidade de fuga da realidade por meio da imaginação uma vez que, ao se ver insatisfeito com sua condição e com os julgamentos alheios, Raimundo busca refúgio em seu universo paralelo. Com maestria, Graciliano Ramos confronta a velha tendência humana de preferir o imaginário ao real, induzindo o leitor à questionamentos e reflexões que se aplicam a qualquer faixa etária.  Dessa forma, a leitura de "A Terra dos meninos pelados" torna-se interessante e proveitosa para todas as idades.   





     O livro “Infância” não se caracteriza como literatura infantil, sendo, quando muito, um livro para jovens. Entretanto, por se tratar de uma obra de caráter autobiogáfico, o livro expõe importantes impressões do autor sobre o universo infantil, abordando temas que povoarão as obras de Graciliano pelo resto da vida. Em certo momento, Graciliano chega a se referir às letras como “malditas”, descrevendo o trabalho árduo de uma criança que precisa descobri-las. Por outro lado, o escritor explicita o prazer subversivo de decifrar cada letra como se elas fossem “proibidas”.  Como em muitas de suas obras, em “Infância”, Graciliano tematiza a opressão dos mais fortes sobre os mais fracos, descrevendo-se como uma criança humilhada e oprimida pelos mais fortes, ou seja, pelos adultos. Ao tornar pública parte de suas vivências quando criança, o autor também acaba revelando  parte do processo de aprendizagem e amadurecimento que sofreu. A exposição de detalhes e experiências de foro íntimo torna a leitura da obra mais prazerosa e surpreendente, uma vez que, a partir das revelações do menino Graciliano, é possível depreender o universo que alicerçou sua literatura adulta.
 
     A literatura infantojuvenil de Graciliano surpreende ao tratar dos mesmos temas abordados pela literatura adulta do autor, divergindo apenas na forma mais leve e divertida com que o escritor expõe cada nuance. Graciliano ajuda a desmistificar a literatura infantil ao abranger questões interessantes para adultos e crianças, tornando a leitura de suas obras prazerosa e enriquecedora em qualquer idade.

Referências:
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RAMOS, Graciliano. Infância. Rio, Editora Record, 1977
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RAMOS, G. A terra dos meninos pelados. 36ª edição. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 2007.
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