Obra original: MUNDURUKU, Daniel; Ilustrações, CAMPOS, Rosinha. “Histórias que eu ouvi e gosto de contar”. São Paulo. Callis, 2004 Resenhado por Jéssica Fernanda de Oliveira Silva.
Daniel Munduruku é índio da nação Munduruku, formado em Filosofia pela UNISAL–Lorena, já trabalhou com crianças carentes, lecionou em escolas públicas e particulares, atuou no cinema e em comerciais pra tevê. Também escreveu premiados livros pra crianças e jovens, entre eles Coisas de índio, pela editora Callis e O segredo da chuva, pela Ática. Além disso, é diretor- presidente do Instituto Brasileiro para Propriedade Intelectual (INBRAPI), atualmente vive em São Paulo e é casado com Tania Mara e tem três filhos.
Com tantos pontos a favor, Daniel é um dos mais conhecidos e se não mais importante escritor indígena. Sendo assim, nasceu mais um livro de Munduruku: “Histórias que eu ouvi e gosto de contar”, em que o autor busca recontar as histórias reais que ouviu, tanto de familiares quanto de amigos, sobre os mitos e crenças que permeiam a vida indígena até hoje. Para tanto, em um capítulo intitulado “Umas palavrinhas soltas”, o escritor explica ao seu leitor o que o levou a escrever esse livro, levando-o a perceber que esse resgate de cultura é de extrema importância para índios e, principalmente, para todo o povo brasileiro, que muitas vezes criticou e desacreditou nas tradições milenares do povo indígena. Assim, para dar um ar ainda mais verdadeiro em suas narrativas, ele intercala o mito contado por gerações e o mito vivido por algum indígena que são apresentados em quatro narrativas.
Matinta Perera é a primeira história que o professor apresenta, é uma narrativa antiga contada por sua avó, a qual uma criatura muito poderosa sempre estava disposta a fazer maldade com quem a desobedecia, normalmente aparecia em noites sem lua e produzindo um estrondoso grito que assustava a todos, nessas ocasiões era preciso correr pra casa e quando ela chegasse, precisavam apenas dar o que pedia, nessas ocasiões pedia apenas fumo. Para dar mais credibilidade a sua história, o autor relata em seguida o que sua irmã viveu com a Matinta Perera, um caso muito parecido com o narrado por sua avó e que fez Daniel acreditar ainda mais nos espíritos da floresta. O Boto Tucuxi é a segunda narrativa contada pelo artista, essa ele ouviu do amigo Ely que mora em Manaus e estudou com Daniel na universidade. Essa história consiste na transformação do Boto Tucuxi em homem e vice-versa. Ely relatou que presenciou a cena de transformação do Boto em uma noite de grande festa numa cidade pequena. Uma bela moça, por quem Ely se encantou, estava à espera de seu namorado Boto, esse por sua vez apareceu, dançou a noite toda com a garota e ao amanhecer foi embora, isso tudo acompanhado pelo olhar atento dele. Ao final, o protagonista admite estar acreditando ainda mais na magia da Mãe- Terra.
A terceira história traz o mito do “O Vira- Porco”, uma narrativa que Munduruku ouviu de seu amigo Ozias da tribo Satarê- Mawé que fala de um homem que virava porco em noites de lua cheia. Ozias conta que muitos não acreditavam na história, pois ninguém havia presenciado a transformação, no entanto ele e seus amigos puderam provar que se tratava de uma história real. Relata que houve um baile na cidade e ele e seus amigos se aventuraram a ir, depois de muito dançarem resolveram ir embora e durante a caminhada perceberam que algo estava seguindo-os. Em um ato desesperado correram para o barco que haviam deixado na beira do rio, mas o curumim Aroldo cansou e ficou para trás, os outros dois apenas sentiram a falta do garoto quando chegaram ao barco, nesse momento decidiram voltar para procurar o menino. Entretanto, Amarildo, um dos amigos, não aguentou tanta apreensão e disse que voltaria para o barco; Ozias conseguiu encontrar o pequeno que lhe fez um sinal apontando para a criatura, ele a seguiu com os olhos e percebeu que ele estava de olho em Amarildo. Nesse momento, montam um plano pra despistar o monstro e salvarem suas vidas, o plano dá certo e eles acabam conseguindo fugir, deixando para trás o corpo do vira- porco ferido. O amigo narra ainda que, no dia seguinte, apareceu um homem com uma flecha enterrada no abdome e que depois de medicado nunca mais foi visto.
Por fim, o autor apresenta a história “A mulher do cemitério”, essa contada por outro amigo chamado Khitaulu, mas em português é conhecido como René. Ele narra que certo dia saiu acompanhado de seu filho pra trabalharem na roça, depois de um determinado tempo pararam para tomar um lanche e René resolveu ir se refrescar em um rio que corria próximo a sua lavoura. Durante o trajeto escutou uma voz de mulher vinda do mato e resolveu ver o que era, porém, cada vez mais se afastava de onde estava e sem que percebesse caminhou por longas horas. Chegando a lugar desconhecido se deparou com uma mulher muito clara que chegava a irradiar luz; a mulher a travessou o corpo de René e lhe disse que ele só teria sua liberdade depois de enterrá-la em uma cova individual, ele apenas precisaria achar um colar de dentes de macaco que estava no pescoço dela. Ele procurou por horas, revirando todas as covas, até que conseguiu encontrar e separou o corpo da mulher dos demais. A mulher lhe agradeceu e lhe contou sua história. René conta que, não se sabe como, foi encontrado a vinte quilômetros de seu roçado e como tudo tinha acontecido ninguém sabia. Alguns saíram para procurar o tal lugar, entretanto nada foi encontrado.
Diante do exposto, podemos perceber que o livro de Munduruku é envolvente e cheia de mistérios, deixa o leitor curioso sobre o que acontecerá com os personagens durante a história, levando- nos a um ponto de tensão que não se espera de uma narrativa infantil. Outro ponto interessante é a intertextualidade existente, se é que podemos chamar de intertexto, pois muitas dessas narrativas conhecemos de outra maneira, pelo que chamamos e conhecemos por folclore, termo que Daniel considera uma forma mascarada de manter viva a tradição, pois muita gente não entende a diversidade que existe no mundo e, principalmente, em um país tão rico culturalmente como o Brasil. Assim, é de extrema importância que nós futuros professores de Língua Portuguesa levemos para sala de aula as narrativas indígenas, porque precisamos criar em nossos alunos senso crítico e conhecimento de outras culturas, despertando- os pra um mundo diversificado e cheio de bons escritores.
Grupo 1: Literatura Infantil Indígena
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