domingo, 25 de novembro de 2012

AQUELES TAIS PALAVRÕES...



Palavras, Palavrinhas e Palavrões é mais uma intrigante história de Ana Maria Machado, na qual ela usa do humor e da inocência para criticar um tema recorrente na sociedade: a proibição de palavras consideradas de baixo calão (vulgares), sem justificativa, que gera o silêncio por parte do reprimido. 



Enredo e comentário crítico

O livro inicia apresentando uma menina que gostava muito de palavras. Ela buscava compreender o sentido delas, suas estruturas e seus significados. Contudo, como não sabia a definição dos termos, ela usava palavras de baixo calão em contextos não permitidos e seus pais a repreendiam por isso. A menina ficava curiosa tentando entender como uma palavra pequena (de tamanho) pode ser considerada um palavrão, ou como podia ora ser considerada um palavrão, ora não (como “pinto”). Apesar de toda a repreensão, a menina persistia em usar as palavras, inclusive, até criou um termo, para ser o nome de seu futuro irmão: Cusfosfós (essa criação revela o conhecimento da menina sobre a língua e sua curiosidade em compreender o funcionamento desse sistema).
Em virtude da teimosia da garota, a mãe tenta explicar que palavrão corresponde a um xingamento e não ao tamanho da palavra. Com isso, a menina expressa suas dúvidas e a mãe perde a paciência. Dessa atitude deriva a repetição de “palavrões” por parte da menina, pois não há uma orientação satisfatória.

Devido a insistência da menina em permanecer falando palavrões (inconscientemente, porque ela não sabia o significado), a família resolveu por pimenta na boca dela. Isso foi ainda pior: com dor, ela falou uma série de palavrões, assim, os pais resolveram levá-la ao médico (um orientador psicopedagógico). Lá ela teve contato com uma série de palavras compridas; com medo de ter que repeti-las, ou de falar alguma palavra que não devia, ela resolveu não falar mais nada.

Muitos conflitos são gerados na intenção de fazer a menina falar, mas são inúteis. A garota só volta a falar quando nasce Lúcia, sua irmã, pois a menina acredita que a irmã formará uma bela dupla com ela uma vez que já nasceu falando uma palavrinha que representa um palavrão (ela nasce “dizendo” nhém, nhém, e é repreendida pela avó, que diz que “essa garota vai dar trabalho”).

Há uma crítica ao uso das palavras, isto é, a obra retrata um preconceito social referente ao uso dos vocábulos – enquanto para a menina representam uma descoberta encantadora, para a sociedade é apenas uma ferramenta proibida em alguns contextos. Em síntese, a família retrata o preconceito social e quebra com as expectativas da menina que acabou de descobrir um mundo mágico, mas ainda não sabe lidar muito bem com o uso dessas palavras, palavrinhas e palavrões. Mesmo reprimida, ela  revela sua rebeldia e não obedece às proibições da família, preferindo se calar. Ao fim, quando toma a palavra novamente, elabora planos para continuar usando palavrões. Segundo as palavras de Marisa Lajolo retiradas da contracapa do livro, a história é:

Enredada nos conceitos e preconceitos que sobre a linguagem e seus usos manifestam os adultos, a menina da história aprende que a linguagem é um espaço mágico e misterioso. Espaço de proibições e tabus, mas também espaço em que cada um se torna dono das próprias falas e sujeito do mundo que constrói com elas. Ferida pelas farpas do arame invisível que na vida social separa as palavras que se dizem das palavras que não se dizem, a menina da história acaba por descobrir, sozinha, que, nesta coisa de palavras, todas são de todos. E que palavras, palavrinhas ou palavrões (mera questão de ponto de vista e de contexto) são o único material de que cada um dispõe para construir o seu texto.

Questões ideológicas e análise

A história de Ana Maria Machado apresenta um narrador em terceira pessoa, caracterizado como heterodiegético, pois é uma entidade exterior à história e tem uma função meramente narrativa, ou seja, de relatar os acontecimentos. Contudo, há uma focalização onisciente devido ao fato do narrador ter conhecimento total dos eventos acontecidos, inclusive descrevendo os pensamentos da menina: “Pensava que ninguém gostava dela. Pensava que os pais preferiam que ela fosse um menino, pra poder ser moleque de rua e dizer todos os palavrões que soubesse...” (MACHADO, 1986, p. 16).

Por meio das descrições do narrador é que caracterizamos a ação como fechada, pois a história tem princípio, meio e fim e o leitor tem conhecimento do destino final das personagens: a família fica feliz com a nova filha e com a volta da fala da garota; esta permanece com planos de falar vários palavrões na companhia de sua irmã. Vale ressaltar que toda a história está voltada à reflexão sobre o uso da linguagem, por isso podemos afirmar a existência da metalinguagem no texto, ou seja, utiliza a história para explorar o uso das palavras, as causas e consequências da descoberta delas.

Há a presença de um “estilo humorístico” (KHÉDE, 1986, p. 41) nesse conto, o que pode ser observado nos conflitos que vive a protagonista, confusa frente as contradições da língua e seu uso, pois palavras pequenas podem ser um palavrão e palavrões podem ser pequenos, além de uma mesma palavra poder ser e não ser um palavrão, dependendo do seu significado, que pode variar. Desse modo, o uso recorrente do humor desestabiliza a autoridade dos pais, que não encontram uma solução adequada para resolver esses conflitos. Seu uso suaviza o caráter utilitário do texto, uma vez que a personagem acaba sendo “absolvida” pelo humor: ela é reprimida, fica em silêncio por algum tempo, mas, por demonstrar não saber a diferença entre uma palavra de tamanho grande e uma palavra de sentido vulgar, que representa um palavrão, ela não recebe nenhuma punição no fim da história e faz planos de prosseguir com uso de palavrões.

O parágrafo final da história retrata claramente o uso do humor, tão presente ao longo de toda a história:

(...) Afinal, agora estava descobrindo que não ia ser largada para trás só porque algumas pessoas enxergam cabelo nas palavras. Ouviu todo aquele nhém-nhém-nhém, olhou para irmã, deu um sorriso bem moleque e resolveu responder com um palavrão novo e bem enorme, que era para todo mundo ficar logo sabendo que daí para frente aquela dupla de meninas ia ser fogo: - MARAVILHOSAMENTE, pô! (MACHADO, 1986, p.22).

A característica mais marcante do conto, como afirma KHÉDE (1986, p. 41), é a “crítica social, principalmente das instituições voltadas para a infância”. Como já afirmamos, os pais são os “detentores do saber”, cabe a eles diferenciarem os conceitos de palavrões para que a menina se conscientize e pare de usá-los em contextos impróprios. Entretanto, eles perdem a paciência com ela e quebram com o “novo mundo”, mágico, da garota, atitude que a leva a parar de falar.

O fato de a história retratar a proibição de palavras vulgares revela uma preocupação educativa da autora, pois já demonstra aos leitores que fazer uso desses termos não é permitido e pode causar “castigos” por parte dos pais. Entretanto, não há uma moral explícita no livro, retratada por comentários do narrador, já que este é neutro. Isso nos permite inferir que, pela menina fazer planos de permanecer usando palavrões, o livro retrata o uso de palavrões como algo natural no processo de aprendizagem infantil da linguagem, por isso, não condena a garota por usá-los (apenas demonstra uma preocupação dos pais, que acarreta no silêncio da garota).


Referências
KHÉDE, S. S. Personagens da literatura infanto-juvenil. São Paulo: Ática, 1986.

MACHADO, A. M. Palavras, Palavrinhas e Palavrões. São Paulo: Quinteto Editorial, 1986.


GT 3 – Literatura e Ideologia.



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