A literatura continua sendo um espaço privilegiado para a
discussão de assuntos que extrapolam o meramente convencional. No caso
específico da Literatura Infantojuvenil, uma série de obras chama a atenção
pelo fato de, sem abrir mão da fantasia e do maravilhoso, abarca temas que
dizem respeito à realidade do leitor, levando-o a olhar o mundo a partir de uma
perspectiva diferenciada e questionadora. É importante salientar que a incursão
pela fantasia não descarta a realidade. Pelo contrário, pode iluminá-la sob
outros prismas e provocar sua releitura a partir da ficção.
Atualmente, a inclusão do negro na Literatura Infantojuvenil
atende, em geral, à preocupação política de valorizar sua identidade cultural,
seus costumes, sua autonomia expressiva, entre outros aspectos, colocando-o
como o herói de sua própria história, como vemos em O amigo do rei, de Ruth Rocha, e em Menina bonita do laço de fita,
de Ana Maria Machado.
No livro “O amigo do rei”,
Matias é um menino negro, escravo e é o personagem principal. Na sua utopia, a condição de escravo seria superada no momento em que reencontrasse
seu povo: “um dia eu vou ser rei”, afirmava Matias com otimismo.
Ioiô, filho dos senhores donos do engenho e dos escravos, era o melhor amigo desse "rei", apesar da diferença de classe social. Certo dia, depois de uma surra que ambos levaram do pai de Ioiô, como represália a uma “trela” cometida pelos dois, Ioiô, que não estava acostumado com os castigos, propõe uma fuga. Assim é que, guiado pelo protagonista, os dois chegam ao reino dos negros, onde o herói Matias é reverenciado com honras de rei. Enfim, chegara o seu dia...
Ioiô, filho dos senhores donos do engenho e dos escravos, era o melhor amigo desse "rei", apesar da diferença de classe social. Certo dia, depois de uma surra que ambos levaram do pai de Ioiô, como represália a uma “trela” cometida pelos dois, Ioiô, que não estava acostumado com os castigos, propõe uma fuga. Assim é que, guiado pelo protagonista, os dois chegam ao reino dos negros, onde o herói Matias é reverenciado com honras de rei. Enfim, chegara o seu dia...
No segundo texto “Menina bonita do laço de fita, abrindo a história com a magia do “era uma vez”, o narrador nos apresenta traços da beleza negra: “uma menina linda”, de olhos brilhantes como “duas azeitonas pretas”, “cabelos enroladinhos”, “pele escura e lustrosa, que nem o pêlo da pantera negra quando pula na chuva”. Tudo isso na ótica de “um coelho branco” que morava ao lado da tal menina. Em vários momentos do enredo, observa-se a insistência do coelhinho para que esta revelasse o segredo de sua linda cor: “Menina bonita do laço de fita, qual é teu segredo pra ser tão pretinha?” Após algumas tentativas frustradas do coelho, para se tornar pretinho como aquela menina, e de justificativas infundadas da menina, “a mãe dela, que era uma mulata linda e risonha, resolveu se meter”, dizendo tratar-se de “Artes de uma avó preta que ela tinha...” Então, o coelho branco se apaixonou por “uma coelhinha escura como a noite”; namoraram, casaram-se e tiveram uma ninhada de filhotes de diversas cores, “e até uma coelha bem pretinha” (...), que se tornou afilhada daquela Menina bonita do laço de fita. O desfecho da história, apesar dos argumentos não convincentes da menina bonita, há uma construção progressiva de um sentido positivo, cujo efeito, indiscutivelmente, projeta a valorização da raça negra.
Considerando-se os níveis temáticos e estruturais, as duas histórias concedem importante destaque aos papéis desempenhados pelos protagonistas, destacando, no caso de O amigo do rei, a atuação do negro Matias, representando a busca da identidade cultural perdida, e a adesão de Ioiô, cujo papel coadjuvante representa o reconhecimento dessa identidade e a valorização da cultura negra. Em Menina bonita do laço de fita, vê-se uma belíssima representação de superação do preconceito; em cada cena/quadro, a construção narrativa corrobora para bem-humoradas ilustrações, representando um imaginário inclusivo de forma graciosa e afetuosa.
As histórias da série
“vou te contar” foram escritas pela Ruth Rocha durante os anos de 1969 a 1981
em várias revistas infantis que ela dirigiu, publicações que faziam um
grande sucesso entre os pequenos.
São histórias que mostram
situações e personagens que valorizam a independência de pensamento e a
ousadia: um coelhinho que não queria ser coelho de Páscoa e escolhe outra
profissão, um menino fazendeiro que se torna amigo de um menino escravo, um
macaco e um porco que são companheiros de aventuras e saem pelo mundo ajudando
as pessoas e muitas outras coisas mirabolantes, que a gente lê, relê e sempre
dão muito que pensar.
Na
obra “Menina bonita do laço de fita” Ana Maria Machado convida o leitor para a leitura do texto do mundo. Sua obra
contribui para que as crianças se apropriem de valores como o respeito a si
próprias e aos outros, além de elevar a autoestima da criança negra.
Ambas
as autoras colocam como personagem central o negro, tipo de personagem até
então marginalizado na literatura. O belo está justamente nas diferenças e não
nas igualdades e as obras fazem lembrar dessa forma, de que é preciso se
preservar a identidade cultural do negro.
Sendo
assim, a Literatura infantil contribui para o processo de formação do
pensamento de cada criança na sociedade. A partir dela, pode-se descortinar o
espelho da vida, na busca do conhecimento de si, dos outros e de mundo, frente
ao jogo mágico da fantasia e da realidade.
Para visualização da história "O amigo do rei" Acesse o link:
Assista agora o vídeo " Menina bonita do laço de fita".
Fontes:
MACHADO, Ana Maria. Menina bonita do laço de fita.
Ilustração de Claudius. 4. ed. São Paulo: Ática, 1999.
ROCHA,
Ruth. O amigo do rei.
Ilustração de FURNARI, Eva. São Paulo: Ática, 1993.
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