Há séculos amedrontando crianças e adultos de todo o mundo, o lobo
tornou-se o símbolo da maldade. Orgulhoso de sua fama de mau possui inúmeras aparições
em contos da tradição oral, histórias infantis, músicas, filmes, desenhos
animados, enfim, um clássico vilão digno de assustar o mais corajoso dos
heróis.
Com sólida tradição, no entanto, não conseguiu livrar-se nem
passar despercebido dos requintados procedimentos pós-modernos de desconstrução
e atualização dos personagens. Enganado, preso, humilhado e até mesmo
convertido em lobo bom, o ouvinte-leitor-espectador contemporâneo acompanha
essas mudanças na alcateia globalizada que se tornou o mundo dos lobos. O
melhor retrato desses novos tempos pode ser encontrado no livro “Procura-se
Lobo” de Ana Maria Machado.
Para entender a história...
Ana Maria Machado saiu “à caça de lobos”. O resultado é um de seus
mais recentes livros, "Procura-se Lobo", da editora Ática. Os
personagens são lobos inventados, lobos famosos e lobos de verdade. E uma
pessoa com nome de lobo.
Tudo começa quando Manoel Lobo vê um anúncio no jornal que diz
"Procura-se Lobo". Ele decide tentar a vaga, mas descobre que querem
lobos de verdade, para um documentário. Mesmo assim, Manoel é contratado para
ajudar a ler e responder as cartas dos candidatos.
O problema é que nenhum lobo de verdade responde ao anúncio. Só
chegam cartas do Lobo Mau, do Lobo da Chapeuzinho Vermelho, do Lobo da
Chapeuzinho Amarelo, do Lobisomem, da Loba da lenda da fundação de Roma, do
Lobo que criou o menino Mogli, e assim por diante. Os lobos de verdade
simplesmente não se candidatam.
Então Manoel Lobo decide mudar o anúncio, deixando mais claro que
precisavam de lobos de verdade, porque queriam mostrar ao mundo como eram estes
animais, como viviam, o que faziam, qual seu ambiente, os riscos que correm.
Tudo para salvar os lobos da extinção e de sua fama injustiçada de maldosos.
"Procura-se Lobo" tem ilustrações muito legais, que
misturam fotos e desenhos, feitas por Laurent Cardon. E o livro é todo repleto
de informação: nas contracapas, você encontra um resumo das mais famosas
histórias de lobo de todos os lugares e épocas.
No fim, há uma descrição das espécies de lobo que existem no mundo
e um perfil da autora e do ilustrador.
A intertextualidade e a
defesa da natureza
Podemos
observar que a intertextualidade nesta obra é bem evidente. O leitor não
precisa se atentar tanto para perceber a presença, mesmo que sutil, de
referências às histórias sobre lobos, como as fábulas de La Fontaine e Esopo, o
lobo dos “Três Porquinhos”, “Chapeuzinho Vermelho” e até da história de Chico
Buarque, “Chapeuzinho Amarelo”.
Ana Maria
Machado utiliza esta intertextualidade para de certa maneira, evidenciar os
problemas quanto à extinção dos lobos de todo o mundo, por isso, ao apresentar
todas essas histórias, a autora tem um trabalho estilístico em seu texto. Já
que, de certo modo, ao fazer referências as fábulas, aos contos de fadas tanto
clássicos quanto modernos, cita um certo lobo, que era muito feroz, mas ao se
encontrar com São Francisco de Assis, que é conhecido, antes de mais nada, por
ser patrono dos animais, fica mansinho , pois o santo consegue domesticá-lo.
Neste
âmbito, pode-se perceber que Ana Maria Machado, além de mostrar ao leitor a
intertextualidade presente em sua obra, mostra também problemas relacionados ao meio ambiente, como a
extinção dos lobos, que muitas vezes parecem estar esquecidos, mas que através
de história como esta esses problemas sociais ficam mais evidentes aos olhos de
quem as lê.
A autora
traz à trama de histórias, e de certa maneira trata dos contos de fadas como
ponto de partida para um assunto que cabe mais na contemporaneidade, que é a
defesa da natureza, mais especificamente a defesa dos lobos que correm risco de
extinção. Sendo assim, faz com que sua obra se torne mais atrativa aos olhos do
leitor, pois, de acordo com Nelly Novaes Coelho (2000, p. 172), “seres mágicos
que fizeram e fazem parte do imaginário popular”, foram transmitidas através
das histórias contadas às crianças e que os adultos a levam para a vida toda.
Esta obra se pauta na área da inovação, pois apresenta “uma visão panorâmica das obras
criativas, ou melhor, das que apresentam valor literário original, vemos
que elas podem ser distribuídas em duas grandes áreas: a do questionamento e a da representação” (Coelho, 2000, p. 150). Nelly Novaes Coelho
defende a ideia de que este tipo de literatura estimula o leitor ao questionamento,
“basicamente, a intencionalidade que as move: as primeiras questionam o mundo – procurando estimular seus
pequenos leitores a transformá-lo”.
Mas isso não basta, ao escrever uma obra literária infantil, o autor não deve deixar de lado as questões estilísticas:
Tal valor deve resultar de uma visão de mundo indagadora, aberta para o que está em transformação, e de uma linguagem “sintonizada” com essa matéria contemporânea (...) o que hoje define a contemporaneidade de uma literatura é sua intenção de estimular a consciência crítica do leitor; levá-lo a desenvolver sua própria expressividade verbal ou sua criatividade latente; dinamizar sua capacidade de observação e reflexão em face do mundo que o rodeia; e torná-lo consciente da complexa realidade em transformação que é a sociedade, em que ele deve atuar quando chegar a sua vez de participar ativamente do processo em curso (Coelho, 2000, p. 151)
Ana Maria
Machado sabe e muito bem fazer isso, sendo assim, através de histórias
consagradas inseridas em seu texto, contrapõe um assunto muito relevante para o
momento que escreveu sobre lobos “de verdade” utilizando lobos “de mentira”.
FONTES:
COELHO, Nelly Novaes. Literatura Infantil: teoria, análise, didática. 1. ed. São Paulo: Moderna, 2000.
MACHADO, Ana Maria. Procura-se lobo. São Paulo: Ática, 2005.
GT5
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