A obra Marcelo,
Marmelo, Martelo, da autora Ruth Rocha, lançado no ano de 1976, já motivou a criação de músicas,
teatro, estudos linguísticos, e, claro, não poderíamos deixar de dizer o quanto
esta obra motivou milhares de crianças e adolescentes de diversas maneiras,
seja para estudos, ou para o simples prazer da leitura. Apesar de também haver no livro as histórias “Terezinha e
Gabriela” e “O dono da bola”; é a história do Marcelo que
inicia a obra, assim como é a história a ganhar o favoritismo do público,
atraindo milhares de leitores das mais variadas faixas etárias, sendo o livro
mais vendido da autora até os dias de hoje, com mais de dez milhões de
exemplares vendidos.
Embora mantenha o foco
narrativo nos questionamentos de Marcelo e em suas atitudes, a autora sustenta
um segundo plano recheado de abordagens sobre questões ideológicas,
linguísticas, sociais e familiares, por meio de uma linguagem simples e
cativante. Para uma melhor compreensão da obra, recomendamos sua leitura na
íntegra, clicando aqui, ou
assistindo ao vídeo a seguir.
Basicamente, a história aborda os questionamentos infantis acerca dos
nomes das coisas, assim como a importância de ser compreendido e poder se
expressar da forma como achar melhor. Talvez por
isso atraia tantos leitores adultos. Conforme LAJOLO (1999):
“Apesar de ser um instrumento usual de formação da criança,
participando, nesse caso, do mesmo paradigma paradigmático que rege a atuação
da família e da escola, a literatura infantil equilibra e, frequentemente, até
supera – essa inclinação pela incorporação ao texto do universo afetivo e
emocional da criança. Por intermédio desses recursos, traduz para o leitor a
realidade dele, mesmo a mais íntima, fazendo uso de uma simbologia que, se
exige, para efeitos de análise, a atitude decifradora do intérprete, é
assimilada pela sensibilidade da criança.”(LAJOLO; 1.999, p. 14).
No caso de Marcelo, Marmelo,
Martelo, a escritora alcança essa perspectiva literária para as crianças,
unindo os eixos escola/família, e ainda vai além. Ela demonstra que os
questionamentos devem e podem fazer parte do indivíduo, sendo isso uma maneira
de se adquirir uma identidade própria frente à sociedade e a família. O personagem principal realiza questionamentos o tempo, como podemos ver no trecho a seguir.
- Papai, por que é que a chuva?
-Mamãe, por que é que o mar não derrama?
- Vovó, por que é que o cachorro tem
quatro pernas?
As pessoas grandes às vezes respondiam.
Às vezes, não sabiam como responder.
-Ah, Marcelo, sei lá...
- Mamãe, por que é que eu me chamo
Marcelo?
- Ora, Marcelo foi o nome que eu e seu
pai escolhemos.
- E por que é que não escolheram
martelo?
-Ah, meu filho, martelo não é nome de
gente! É nome de ferramenta...
- Por que é que não escolheram marmelo?
Porque marmelo é nome de fruta, menino!
- E a fruta não podia chamar Marcelo, e
eu chamar marmelo?
- Papai, por que é que mesa chama mesa?
- Ah, Marcelo, vem do latim.
- Puxa, papai, do latim? E latim é
língua de cachorro?
- Não, Marcelo, latim é uma língua muito
antiga.
Essa leitura conduz a criança a uma meditação sobre coisas,
pessoas, linguagem, família e sociedade, devido ao fato do personagem sempre
observar os objetos, as coisas e suas funções, conforme vemos no trecho
apresentado anteriormente. Marcelo não entende porque todos
simplesmente aceitam as palavras como são e não questionam as origens de
determinadas coisas, mesmo quando não possuem explicações convincentes para as suas
dúvidas. O tema da linguagem encontra-se na reflexão que é realizada em torno das
palavras e sua relação com o objeto; o da família encontra-se no papel desempenhado pelos
pais de Marcelo, os quais procuram compreendê-lo e ajudá-lo com suas dúvidas e
descobertas, não o recriminando. Por fim, o tema das relações com a sociedade encontra-se na presença da imagem dos
vizinhos e na preocupação dos pais de Marcelo sobre o que eles pensariam ao ver
Marcelo falando da forma como falava.
Isso tudo nos conduziria também a possibilidade de se trabalhar a auto-aceitação que a autora proporciona ao leitor. Ruth demonstra a possibilidade de existir um indivíduo que seja aceito pela sua família e pela sociedade, apesar de ser capaz de criar ideias e realizar críticas e julgamentos sobre as coisas.
Isso tudo nos conduziria também a possibilidade de se trabalhar a auto-aceitação que a autora proporciona ao leitor. Ruth demonstra a possibilidade de existir um indivíduo que seja aceito pela sua família e pela sociedade, apesar de ser capaz de criar ideias e realizar críticas e julgamentos sobre as coisas.
“Daí a alguns dias, Marcelo
estava jogando futebol com o pai:
-Sabe, papai, eu acho que o tal de latim botou nome
errado nas coisas. Por exemplo, por que é que bola chama bola?”
No trecho apresentado,
conforme a parte em destaque, Marcelo já evolui de apenas questionamentos e
começa a demonstrar sua opinião sobre o assunto. Até chegar o momento de
assumir suas convicções, como percebemos em:
“Pois é, está
tudo errado! Bola é bola, porque é redonda. Mas bolo nem sempre é redondo. E
por que será que a bola não é a mulher do bolo? E bule? E belo? E Bala? Eu acho
que as coisas deviam ter o nome mais apropriado. Cadeira, por exemplo. Devia
chamar sentador, não cadeira, que não quer dizer nada. E travesseiro? Devia
chamar cabeceiro, lógico! Também, agora, eu só vou falar assim”.
Essa história expõe os conflitos internos da criança em
relação a quem ela é e seu lugar no mundo, deixando clara a necessidade de a
criança ser compreendida e orientada pelos pais, assim como de se posicionar em
relação àquilo em que acredita. Note-se também a representatividade que possui
na história a imagem do pai e da mãe, sempre presentes.
Apesar de ser uma história infantil, voltada a um
público pueril, a autora não se utiliza aqui do “maravilhoso”, entendido como
um recurso literário que transporta a criança do mundo real para um mundo de
fantasia, por meio de ações e personagens “fantásticos”, como animais que
falam, casas que voam, etc., frequentemente encontrado nesse tipo de
literatura. Todavia, recorre ao cotidiano do universo real da criança, como
casa, família, pai, mãe, animais de estimação, etc., e produz, por meio da
narrativa, a identificação consciente ou inconsciente do leitor com situações
específicas. Assim, concordamos com Silva quando diz:
“Acreditamos que boa parte da empatia, quase mágica, que o
texto dessa autora estabelece com o leitor, origina-se em dois elementos-chave.
Em primeiro lugar, na linguagem utilizada, que é solta, coloquial, desprovida
de artificialismos, muito próxima à do leitor, estabelecendo, por isso mesmo,
um clima de cumplicidade entre narrador e ouvinte. Em segundo lugar, no olhar
crítico com que a autora analisa e descreve situações e personagens, convidando
o leitor a, ele mesmo também, analisar, criticar, julgar os fatos, numa postura
mudancista, que rejeita o estabelecido e aposta no novo.” (SILVA, 2008, p.184).
Assim, podemos perceber nessa obra,
entre outras coisas, o trabalho abordado por Ruth Rocha, o qual aborda vários
aspectos psicossociais, linguísticos, pedagógicos, culturais, sociais, etc.
Dentre os quais, nesta breve reflexão, enfatizamos o aspecto psicossocial,
entendido como concernente simultaneamente à psicologia individual e à vida
social, longe de pretendermos esgotar as análises realizadas por esse viés, ou
por outras perspectivas.
BIBLIOGRAFIA
DARÓS; J. S. Oficina literária:
Contos infantis podem servir de apoio à produção de textos. Revista do
professor. Porto Alegre, 2005. P. 24-28
LAJOLO, Marisa; ZILBERMAN,
Regina. Literatura infantil brasileira: história e histórias. 6ª ed. São Paulo:
Ática, 1999.
ROCHA, Ruth. Marcelo, marmelo, martelo e outras histórias. Rio de Janeiro:
Salamandra consultoria Editorial S.A, 1976.
SILVA, Vera Maria T. Literatura Infantil Brasileira: um guia para
professores e promotores de leitura. Goiânia: Cânone Editorial, 2008,
p.183-200. Disponível em:
GT 6
Vocês podiam botar uma letra mas descente
ResponderExcluirMuito proveitoso e fácil de compreender a história de Marcelo Marmelo e Martelo com seu jeito maneiro de pronunciar o nome das coisas.
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