Ao
longo do trabalho realizado com os Contos de Fadas, percebemos a contribuição
desse gênero para a formação da personalidade das crianças. Essas histórias desenvolvem as noções de respeito,
educação e auxiliam no preparo para a resolução de problemas na vida adulta. Em
outras postagens já nos detivemos na importância dos Contos de Fadas
tradicionais na formação da criança. Nesta, para encerrar as postagens deste
ano, referentes ao gênero, discutiremos algumas das questões que o tornam
relevantes principalmente para, mas não somente, os leitores infantojuvenis.
Os Contos de Fadas atuais retomam as
histórias clássicas de princesas, príncipes, mágicos, rainhas, reis
e bruxas. Porém, em suas tramas, na maioria deles, há ausência de
maniqueísmo, pois os conflitos não são obrigatoriamente derivados da ação de
uma personagem má. A ausência de personagens "do mal" é uma novidade
que subverte o paradigma tradicional.
Outro aspecto inovador diz respeito
ao caráter educativo pois apresentam um discurso mais sedutor e
menos autoritário e utilitarista, conforme discute Edmir Perrotti em seu
livro O texto sedutor na literatura infantil (1986). Vejamos alguns procedimentos e
características inovadoras do gênero na atualidade:
- A quebra de expectativa: muitas histórias rompem com estereótipos
do gênero de modo que o leitor se depara com fatos ou atitudes não esperadas.
Um exemplo é a caracterização de Cinderela na história O fantástico mistério de Feiurinha, de Pedro Bandeira, pois sua
atitude, que vemos no excerto abaixo, não condiz com a imagem idealizada que os
Contos de Fadas tradicionais apresentavam de seus protagonistas, fossem
príncipes ou princesas:
[…] a discussão já não estava mais naquele nível elegante que se
espera de duas senhoras princesas de fino trato. Dona Cinderela já empunhava o
sapatinho de cristal, disposta a dar uma sapatada na amiga. (BANDEIRA, 1986:23,
apud SORIANO, 2009)
Os novos contos de fadas buscam acompanhar a mudança de
valores da sociedade vigente. A princesa não precisa mais esperar pelo príncipe
encantado para tramar uma fuga e nem sonham somente com o casamento.
As novas princesas enlaçam o romântico ao ousado, ao atrevido, ao indelicado,
fato este que as aproxima de seres “mais humanos” em comparação ao modelo
tradicional.
- Formação de
um leitor crítico: A
partir dessa quebra de expectativa, o pequeno leitor não somente é levado
a pensar sobre os conflitos como também é levado a questionar-se a respeito
dos estereótipos, clichês e modelos narrativos "já prontos", uma vez
que estes são "quebrados", quer dizer, desfeitos. Com isso, o texto
proporciona, ou melhor, exige uma atitude mais crítica por parte de seu
leitor. Para isso muito contribui a metalinguagem e o diálogo do narrador com o
leitor de modo a incitá-lo à reflexão não somente sobre os temas tratados
e a história narrada, mas também sobre o próprio caráter ficcional e artístico
da obra.
-
A realidade representada é mais próxima dos
leitores: Os Contos de Fadas atuais possuem
temas mais polêmicos e presentes no cotidiano. A abordagem de temas como
a exclusão social e o preconceito (seja racial, de gênero, social
etc.) são recorrentes e levam o leitor pensar criticamente questões como
o comportamento/papel da mulher em sociedade ou mesmo a
exclusão/diferença social, conforme abordamos em uma das postagens anteriores
intitulada Valentina, a princesa da “Beira do Longe”- uma história
atual.
- Ausência do
maravilhoso/mágico: A
resolução dos conflitos em muitas histórias não ocorre graças à
intervenção de elementos mágicos, maravilhosos, mas é decorrente da ação
crítica dos próprios protagonistas. Desta forma, as narrativas atuais valorizam
a iniciativa das crianças, transmitindo-lhes a ideia de que elas podem ser
capazes de resolver seus problemas de forma autônoma. Novamente
exemplificamos com a obra Valentina.
- Predomínio do discurso sedutor sobre
o utilitário:
Ao nos depararmos com os Contos de Fadas atuais, percebemos, dentre muitos
fatores que tornam este gênero inovador, o foco narrativo pertinente ao seu
caráter discursivo.
Os
contos de fadas tradicionais, adaptados às demandas de uma prática pedagógica,
que visava, principalmente, um modelo entendido como “educativo” pela sociedade
“burguesa” da época, compreendiam um discurso utilitário, o qual é apontado por
Perrotti (1986) da seguinte forma:
O discurso
utilitário procurou sempre oferecer a crianças e jovens atitudes morais e
padrões de conduta a serem seguidos, ordenando os elementos narrativos em
função de tal finalidade exterior. Tais atitudes e padrões, evidentemente,
inseriram-se na ordem da sociedade que os promoveu, uma vez que tal discurso
buscou não somente adaptá-lo a um determinado modelo social: o burguês.
(PERROTTI, 1986, p.117)
Esse
caráter utilitário, além de tentar moldar um exemplo de comportamento a ser
seguido, tinha como propósito resguardar as crianças e adolescentes dos perigos
do mundo, e que se fundamentava na classificação normativa dos atos como
“certos” ou “errados”. Com isso, as histórias adquiriam esse tom moralista,
mencionado por Perrotti (1986).
Diferentemente
deste modelo, os atuais contos de fadas surgem de modo a trazer à tona um
discurso estético, nos quais consta uma veemência ideológica, tornando-se objeto com valor em si mesmo, discurso
este sobreposto ao utilitarismo. Assim, o discurso estético já constitui a própria
arte e, por ser arte, apresenta desejos, vozes, intuições, como assinala
Perrotti (1986) ao dizer que a literatura voltada ao caráter estético tem as
suas próprias leis, suas dinâmicas e requisições internas, que “se violadas em
nome de um valor exterior como a eficácia junto ao leitor, pode comprometer
irremediavelmente sua integridade estética”.
Outro aspecto a ressaltar é a questão do narrador
pertinente a cada discurso. No discurso estético, o narrador pode, por exemplo,
dialogar com seus leitores, de forma que se coloca em uma condição inferior a
real, de adulto, para que seja compatível à realidade da criança (embora ainda
exista uma assimetria com relação autor e obra), utilizando-se de intrusões, de
humor e ironia, como também pode apresentar uma narrativa de caráter
metalinguístico, tal qual ocorre em História meio ao contrário, de
autoria de Ana Maria Machado.
Quanto ao discurso utilitário, o narrador se manifesta autoritário, de modo a repreender, ensinar a partir de com uma perspectiva pedagógica, sem dar margem à interação autor-leitor. Esta questão referente ao discurso utilitário, e simultaneamente, ao narrador, foi abordada na postagem Chapezinho Vermelho x Chapeuzinho Amarelo: medo do Lobo, medo bobo, na qual o grupo (GT1) responsável pela postagem, ressaltou, a respeito do discurso utilitário, que a “narração é pautada pela relação de poder e saber do adulto sobre a criança ingênua e ignorante”.
O novo estilo de se
fazer literatura, incluindo os contos de fadas, surge na década de 70, a fim de
trazer ao público infantojuvenil não apenas uma literatura voltada ao ensino,
mas também com o objetivo de construir histórias que valorizassem a natureza
humanizadora da obra de arte literária.
Ao
retornarmos à postagem Uma fadinha atrevida com sua varinha de condão.,
a qual traz uma abordagem a respeito do livro A Fada que tinha ideias, de
autoria de Fernanda Lopes de Almeida, observamos um exemplo do discurso estético, que funciona conjuntamente ao discurso utilitário às avessas, já que leva a criança a pensar e questionar a respeito das condições e ações pré-estabelecidas, que visam um padrão de conduta, porém sem apresentar uma proposta moralista.
Também
citamos Ana Maria Machado como um exemplo, dentre vários autores que inovaram,
nas décadas de 70 e 80, não só a respeito do gênero Conto de Fadas como também
com relação às obras destinadas ao público infantil, pois:
A obra de Ana Maria
Machado sinalizava, na virada dos anos 70 para os anos 80, que a literatura
infantil não apenas se insubordinava
contra o sistema vigente, fosse ele o literário, o político ou o
econômico. Revelava igualmente que era hora de se fazer uma nova
história, “meio ao contrário”, porque, se dava seguimento ao que de melhor a
literatura infantil fornecera até então, tinha, na mesma proporção, de procurar
seu rumo e traçar os caminhos da estrada que se abria à sua frente, conforme
uma aventura inovadora e plena de desafios. (ZILBERMAN, 2005, p. 54 apud SILVA,
2010)
Dessa
maneira, notamos que, nos contos de fadas atuais, há a predominância do estético. Contudo, não podemos
considerar que no discurso dos novos contos de fadas não exista nenhuma marca
do utilitarismo.
Considerações finais
Esses novos contos
de fadas ampliam a visão crítica de seus leitores, visto que eles saem de uma
zona “estabilizada”, que é o conto de fadas tradicional, que apresenta sempre
personagens boas e más (princesas e bruxas, respectivamente) subordinação
a um príncipe encantado e há sempre o final feliz relacionado ao casamento,
diferentemente dos atuais, já que nem sempre há um conflito resolvido com o
matrimônio. Algumas vezes nem há o maravilhoso na superfície do conto, como
acontece em Valentina, mas ela o
cria de forma a valorizar a sua realidade e mostrar que as diferenças estão
muito mais no olhar do outro, do que vê de fora.
Desde os primórdios da humanidade,
contar histórias é uma atividade importante na transmissão de conhecimentos e
valores humanos. Essa atividade tão simples, mas tão fundamental, pode se
tornar uma rotina banal ou representar um momento de grande valia na educação
das crianças.
O que nos importa aqui é referenciar
o valor dos contos de fadas no desenvolvimento intelectual e emocional das
crianças. No que se refere à educação, este gênero proporciona condições que
favorecem o amadurecimento psicológico, assim contribuindo para a formação
da personalidade, visto que a criança pode aprender, por meio deles, a refletir
e reconhecer pensamentos e sentimentos que ajudam ou atrapalham sua relação
consigo mesmo e com os outros. Desta forma ela aprende a conviver com “o seu
mundo interno” e a compreender que os problemas fazem parte da vida,
mas podem ser superados.
Referências
Era
uma Vez... Letras Português. 2012. Chapezinho Vermelho x Chapeuzinho Amarelo: medo do Lobo,
medo bobo. Post consultado em 05/12/2012. Disponível em: http://eraumavezuem.blogspot.com.br/2012/10/valentina-princesa-da-beira-do-longe.html
Era uma Vez... Letras Português. 2012. Uma fadinha atrevida com sua varinha de condão. Post consultado em 05/12/2012. Disponível em: http://eraumavezuem.blogspot.com.br/2012/11/uma-fadinha-atrevida-com-sua-varinha-de.html
Era uma Vez... Letras Português. 2012. Valentina, a princesa da “Beira do Longe”- uma história
atual.
Post consultado em 30/11/2012. Disponível em: http://eraumavezuem.blogspot.com.br/2012/10/valentina-princesa-da-beira-do-longe.html
Perrotti, Edmir. O texto sedutor na literatura infantil. São Paulo: Ícone, 1986.
Soriano, M. E. A. Contos de Fadas e Identidade
Infantil. Monografia. UERJ.
Faculdade de Formação de Professores, 2009. Disponível em: http://www.ffp.uerj.br/arquivos/dedu/monografias/MEAS.2009.pdf
STUDZINSKI,
N. G. & HOLZSCHUH, M. S. Contos
de Fada e o Desenvolvimento Infantil. 2012.
SILVA, V. R. F. da.
A recepção de Ana Maria Machado no âmbito escolar. 2010.
GT 5: Contos de
Fadas na Atualidade
é muito interessante pensarmos na produção de contos de fadas voltados para nossa realidade
ResponderExcluirParabéns, adoro esse blogger, sempre que preciso pesquisar alguma coisa sobre literatura infantil para os alunos venho aqui....
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