sábado, 8 de dezembro de 2012

Os Contos de Fadas atuais e sua contribuição para o desenvolvimento infantil



Ao longo do trabalho realizado com os Contos de Fadas, percebemos a contribuição desse gênero para a formação da personalidade das crianças. Essas histórias desenvolvem as noções de respeito, educação e auxiliam no preparo para a resolução de problemas na vida adulta. Em outras postagens já nos detivemos na importância dos Contos de Fadas tradicionais na formação da criança. Nesta, para encerrar as postagens deste ano, referentes ao gênero, discutiremos algumas das questões que o tornam relevantes principalmente para, mas não somente,  os leitores infantojuvenis.

Os Contos de Fadas atuais retomam as histórias clássicas de princesas, príncipes, mágicos, rainhas, reis e bruxas. Porém, em suas tramas, na maioria deles, há ausência de maniqueísmo, pois os conflitos não são obrigatoriamente derivados da ação de uma personagem má. A ausência de personagens "do mal" é uma novidade que subverte o paradigma tradicional.

Outro aspecto inovador diz respeito ao caráter educativo pois apresentam um discurso mais sedutor  e menos autoritário e utilitarista, conforme discute Edmir Perrotti em  seu livro O texto sedutor na literatura infantil (1986). Vejamos alguns procedimentos e características inovadoras do gênero na atualidade:

- A quebra de expectativa: muitas histórias rompem com estereótipos do gênero de modo que o leitor se depara com fatos ou atitudes não esperadas. Um exemplo é a caracterização de Cinderela na história O fantástico mistério de Feiurinha, de Pedro Bandeira, pois sua atitude, que vemos no excerto abaixo, não condiz com a imagem idealizada que os Contos de Fadas tradicionais apresentavam de seus protagonistas, fossem príncipes ou princesas:


[…] a discussão já não estava mais naquele nível elegante que se espera de duas senhoras princesas de fino trato. Dona Cinderela já empunhava o sapatinho de cristal, disposta a dar uma sapatada na amiga. (BANDEIRA, 1986:23, apud SORIANO, 2009)

 

Os novos contos de fadas buscam acompanhar a mudança de valores da sociedade vigente. A princesa não precisa mais esperar pelo príncipe encantado para tramar uma fuga e nem sonham somente com o casamento. As novas princesas enlaçam o romântico ao ousado, ao atrevido, ao indelicado, fato este que as aproxima de seres “mais humanos” em comparação ao modelo tradicional.

 

 

- Formação de um leitor crítico: A partir dessa quebra de expectativa, o pequeno leitor não somente é levado a pensar sobre os conflitos como também é levado a questionar-se a respeito dos estereótipos, clichês e modelos narrativos "já prontos", uma vez que estes são "quebrados", quer dizer, desfeitos. Com isso, o texto proporciona, ou melhor, exige uma atitude mais crítica por parte de seu leitor. Para isso muito contribui a metalinguagem e o diálogo do narrador com o leitor de modo a incitá-lo à reflexão não somente sobre os temas tratados e a história narrada, mas também sobre o próprio caráter ficcional e artístico da obra. 

 

- A realidade representada é mais próxima dos leitores: Os Contos de Fadas atuais possuem temas mais polêmicos e presentes no cotidiano. A abordagem de temas como a exclusão social e o preconceito (seja racial, de gênero, social etc.) são recorrentes e levam o leitor pensar criticamente questões como   o comportamento/papel da mulher em sociedade ou mesmo a exclusão/diferença social, conforme abordamos em uma das postagens anteriores intitulada Valentina, a princesa da “Beira do Longe”- uma história atual.


- Ausência do maravilhoso/mágico:  A resolução dos conflitos em muitas histórias não ocorre graças à intervenção de elementos mágicos, maravilhosos, mas é decorrente da ação crítica dos próprios protagonistas. Desta forma, as narrativas atuais valorizam a iniciativa das crianças, transmitindo-lhes a ideia de que elas podem ser capazes de resolver seus problemas de forma autônoma. Novamente exemplificamos com a obra Valentina.

- Predomínio do discurso sedutor sobre o utilitário: Ao nos depararmos com os Contos de Fadas atuais, percebemos, dentre muitos fatores que tornam este gênero inovador, o foco narrativo pertinente ao seu caráter discursivo.

Os contos de fadas tradicionais, adaptados às demandas de uma prática pedagógica, que visava, principalmente, um modelo entendido como “educativo” pela sociedade “burguesa” da época, compreendiam um discurso utilitário, o qual é apontado por Perrotti (1986) da seguinte forma:


O discurso utilitário procurou sempre oferecer a crianças e jovens atitudes morais e padrões de conduta a serem seguidos, ordenando os elementos narrativos em função de tal finalidade exterior. Tais atitudes e padrões, evidentemente, inseriram-se na ordem da sociedade que os promoveu, uma vez que tal discurso buscou não somente adaptá-lo a um determinado modelo social: o burguês. (PERROTTI, 1986, p.117)


Esse caráter utilitário, além de tentar moldar um exemplo de comportamento a ser seguido, tinha como propósito resguardar as crianças e adolescentes dos perigos do mundo, e que se fundamentava na classificação normativa dos atos como “certos” ou “errados”. Com isso, as histórias adquiriam esse tom moralista, mencionado por Perrotti (1986).

Diferentemente deste modelo, os atuais contos de fadas surgem de modo a trazer à tona um discurso estético, nos quais consta uma veemência ideológica, tornando-se objeto com valor em si mesmo, discurso este sobreposto ao utilitarismo. Assim, o discurso estético já constitui a própria arte e, por ser arte, apresenta desejos, vozes, intuições, como assinala Perrotti (1986) ao dizer que a literatura voltada ao caráter estético tem as suas próprias leis, suas dinâmicas e requisições internas, que “se violadas em nome de um valor exterior como a eficácia junto ao leitor, pode comprometer irremediavelmente sua integridade estética”.
 

Outro aspecto a ressaltar é a questão do narrador pertinente a cada discurso. No discurso estético, o narrador pode, por exemplo, dialogar com seus leitores, de forma que se coloca em uma condição inferior a real, de adulto, para que seja compatível à realidade da criança (embora ainda exista uma assimetria com relação autor e obra), utilizando-se de intrusões, de humor e ironia, como também pode apresentar uma narrativa de caráter metalinguístico, tal qual ocorre em História meio ao contrário, de autoria de Ana Maria Machado.  

Quanto ao discurso utilitário, o narrador se manifesta autoritário, de modo a repreender, ensinar a partir de com uma perspectiva pedagógica, sem dar margem à interação autor-leitor. Esta questão referente ao discurso utilitário, e simultaneamente, ao narrador, foi abordada na postagem  Chapezinho Vermelho x Chapeuzinho Amarelo: medo do Lobo, medo bobo, na qual o grupo (GT1) responsável pela postagem, ressaltou, a respeito do discurso utilitário, que a “narração é pautada pela relação de poder e saber do adulto sobre a criança ingênua e ignorante”.


O novo estilo de se fazer literatura, incluindo os contos de fadas, surge na década de 70, a fim de trazer ao público infantojuvenil não apenas uma literatura voltada ao ensino, mas também com o objetivo de construir histórias que valorizassem a natureza humanizadora da obra de arte literária.

Ao retornarmos à postagem Uma fadinha atrevida com sua varinha de condão., a qual traz uma abordagem a respeito do livro A Fada que tinha ideias, de autoria de Fernanda Lopes de Almeida, observamos um exemplo do discurso estético, que funciona conjuntamente ao discurso utilitário às avessas, já que leva a criança a pensar e questionar a respeito das condições e ações pré-estabelecidas, que visam um padrão de conduta, porém sem apresentar uma proposta moralista.
 
Também citamos Ana Maria Machado como um exemplo, dentre vários autores que inovaram, nas décadas de 70 e 80, não só a respeito do gênero Conto de Fadas como também com relação às obras destinadas ao público infantil, pois:


A obra de Ana Maria Machado sinalizava, na virada dos anos 70 para os anos 80, que a literatura infantil não apenas se insubordinava  contra o sistema vigente, fosse ele o literário, o  político ou o  econômico. Revelava igualmente que era hora de se fazer uma nova história, “meio ao contrário”, porque, se dava seguimento ao que de melhor a literatura infantil fornecera até então, tinha, na mesma proporção, de procurar seu rumo e traçar os caminhos da estrada que se abria à sua frente, conforme uma aventura inovadora e plena de desafios. (ZILBERMAN, 2005, p. 54 apud SILVA, 2010)


Dessa maneira, notamos que, nos contos de fadas atuais, há a predominância do estético. Contudo, não podemos considerar que no discurso dos novos contos de fadas não exista nenhuma marca do utilitarismo.

Considerações finais

Esses novos contos de fadas ampliam a visão crítica de seus leitores, visto que eles saem de uma zona “estabilizada”, que é o conto de fadas tradicional, que apresenta sempre personagens boas e más (princesas e bruxas, respectivamente)  subordinação a um príncipe encantado e há sempre o final feliz relacionado ao casamento, diferentemente dos atuais, já que nem sempre há um conflito resolvido com o matrimônio. Algumas vezes nem há o maravilhoso na superfície do conto, como acontece em Valentina, mas ela o cria de forma a valorizar a sua realidade e mostrar que as diferenças estão muito mais no olhar do outro, do que vê de fora.

Desde os primórdios da humanidade, contar histórias é uma atividade importante na transmissão de conhecimentos e valores humanos. Essa atividade tão simples, mas tão fundamental, pode se tornar uma rotina banal ou representar um momento de grande valia na educação das crianças.

O que nos importa aqui é referenciar o valor dos contos de fadas no desenvolvimento intelectual e emocional das crianças. No que se refere à educação, este gênero proporciona condições que favorecem o amadurecimento psicológico, assim contribuindo para a formação da personalidade, visto que a criança pode aprender, por meio deles, a refletir e reconhecer pensamentos e sentimentos que ajudam ou atrapalham sua relação consigo mesmo e com os outros. Desta forma ela aprende a conviver com “o seu mundo interno” e a compreender que os problemas fazem parte da vida, mas podem ser superados. 


Referências


Era uma Vez... Letras Português. 2012.  Uma fadinha atrevida com sua varinha de condão. Post consultado em 05/12/2012. Disponível em: http://eraumavezuem.blogspot.com.br/2012/11/uma-fadinha-atrevida-com-sua-varinha-de.html


Era uma Vez... Letras Português. 2012. Valentina, a princesa da “Beira do Longe”- uma história atual.


Post consultado em 30/11/2012. Disponível em: http://eraumavezuem.blogspot.com.br/2012/10/valentina-princesa-da-beira-do-longe.html

 

Perrotti, Edmir. O texto sedutor na literatura infantil. São Paulo: Ícone, 1986.

Soriano, M. E. A. Contos de Fadas e Identidade Infantil. Monografia. UERJ. Faculdade de Formação de Professores, 2009. Disponível em: http://www.ffp.uerj.br/arquivos/dedu/monografias/MEAS.2009.pdf

STUDZINSKI, N. G. & HOLZSCHUH, M. S.  Contos de Fada e o Desenvolvimento Infantil. 2012.


SILVA, V. R. F. da. A recepção de Ana Maria Machado no âmbito escolar. 2010.


GT 5: Contos de Fadas na Atualidade


2 comentários:

  1. é muito interessante pensarmos na produção de contos de fadas voltados para nossa realidade

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  2. Parabéns, adoro esse blogger, sempre que preciso pesquisar alguma coisa sobre literatura infantil para os alunos venho aqui....

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