Para contar
as histórias desta coleção, eu escolhi alguns fios e costurei com um bordado.Você
já viu avesso de bordado? Tem nó, tem linha pendurada, é uma confusão! Não dá
nem para acreditar que aquele lado feioso faz parte do lado direito, todo
bonito. Pois é, o avesso da gente é parecido com isso. Tem coisas que às vezes
a gente não quer mostrar, só quer esconder. A beleza, porém, está em saber que
todo o direito da gente tem avesso, ou todo avesso tem seu direito, assim como
toda sombra tem sua luz.(FURNARI, 1998, p.32)
É
com esse pequeno e simpático texto que Eva Furnari, renomada autora e
ilustradora de livros infantis, define a coleção “O avesso da gente”. Publicada
pela editora Moderna, a coleção conta com quatro volumes que, embora apresentem
histórias distintas, partilham a mesma temática: o respeito às diferenças
físicas, psicológicas e culturais de cada ser humano.
O
primeiro livro da coleção se desenrola no tempo das cavernas e conta a história
de Lolo Barnabé, um homem inteligente e cheio de ideias que aproveitava o
melhor da vida ao lado de sua grande paixão, a namorada Brisa. Por ser um homem
inquieto e muito criativo, Lolo decide construir uma casa no alto do morro para
ter mais conforto e comodidade. Em seguida, resolve trocar as peles de animais
que ele e a amada vestiam por roupas e calçados. Não contentes, Lolo e Brisa
aprendem a confeccionar todo tipo de modernidade: televisão, fogão a gás, bicicleta,
armário, mesa, cama e até mesmo uma tábua de passar.
Entretanto,
a rotina cheia de conforto e de novas tecnologias, começou a parecer vazia. Assim,
Lolo é levado a refletir sobre a felicidade que sentia quando ainda desfrutava
da simplicidade e das sutilezas que a vida dentro da caverna proporcionava. A
história de Lolo, contada com a linguagem simples e bem humorada característica
de Eva Furnari, é também a história do homem moderno que vive e sofre a
insatisfação quase crônica que o motiva a sair de casa todos os dias para
trabalhar e adquirir bens de consumo com a pretensa, falsa e frustrada crença
de que tais artifícios trarão como brinde a satisfação e a felicidade que
procura.
“Abaixo
das canelas”, outro volume da coleção, tem como cenário a “Poscovânia”, onde
era expressamente proibido aos pobres “poscovônios” mostrar os pés. Ninguém
sabia ao certo de onde vinha essa lei pra lá de esquisita, mas o fato é que o assunto
era um grande tabu, de forma que os moradores de “Poscovânia” nem mesmo
pronunciavam a palavra pé, quando muito, utilizavam a palavra pedúnculo, nome
científico daquilo que ficava abaixo das canelas. Um dia, com o aparecimento de
uma terrível “chulezite aguda” que se alastra gerando o caos com a coceira ininterrupta
e o odor peculiar que passou a atormentar e a constranger os cidadãos, as
razões que instituíram a lei “anti-pés” são reveladas e os moradores são levados
a questionar esse antigo e infundado hábito.
Assim como
em “Lolo Barnabé”, a crítica da autora não se limita às personagens do livro
infantil, uma vez que é possível interpretar a “Poscovânia” como uma metáfora
da sociedade em que vivemos, onde muitas coisas que fazemos, que não fazemos, que
acreditamos, ou que não acreditamos, não passam de imposições sociais. Não
raramente, somos manipulados seja pela mídia, pela publicidade ou por premissas
e paradigmas culturais que nos impelem a agir, pensar e gostar de certas coisas
sem que, ao menos, nos demos conta do real motivo pelo qual estamos admirando um
determinado cantor ou vestindo a roupa imposta pela ditadura dos padrões de beleza.
“Umbigo
indiscreto” se passa na “Bolofofolândia”, país em que a comida é tão importante
que até mesmo a anatomia dos “bolofofos” gira em torno do bom apetite dos
glutões. O umbigo, centro emocional de todo “bolofofo”, muda de cor de acordo
com o humor de seu dono, motivo pelo qual todos escondem seus umbigos na
tentativa de não deixar transparecer aquilo que verdadeiramente sentem. No dia
da festa do Chocolate Escarlate, Bunza, a menina mais rica da cidade, chega
atrasada e acaba se vendo obrigada a dividir assento com pequena Pelúcia, que
ela nem ao menos conhecia.
A antipatia
foi imediata, gratuita e recíproca, quanto mais as duas garotas conversavam e
contavam uma a outra sobre suas vidas, mas se estranhavam. Até que, um
repentino rasgo no vestido de Bunza deixa à mostra seu umbigo amarelo-mostarda,
cor que denuncia a inveja profunda que a menina rica sentia de Pelúcia e das
pequenas coisas que cercavam a vida simples da menina. Assim, o flagrante do “umbigo
indiscreto” de Bunza dissolve os julgamentos precipitados de ambas e acaba
rendendo uma grande amizade.
Não é
preciso muito esforço para perceber que a “Bolofofolândia” está mais perto de
nossa realidade do que queremos supor. A vaidade de Bunza ao se gabar de suas
riquezas, o preconceito de ambas ao tecerem julgamentos recíprocos totalmente
infundados, a hipocrisia com que continuam conversando para manter o traquejo
social, a inveja que permeou o primeiro contato das duas meninas e a necessidade
de se esconder aquilo que realmente se sente, são temáticas extremamente presentes
e recorrentes no universo das crianças e dos adultos.
“Pandolfo
Bereba”, quarto e último volume da coleção, narra a história de Pandolfo, um
príncipe que contraria toda e qualquer expectativa criada acerca dos padrões de
beleza, educação e valentia dos príncipes que povoam os Contos de Fadas. O
príncipe não conhecia sentimentos como o amor e a amizade, e talvez por isso,
gostava de colocar defeitos em todas as pessoas que via pela frente, sendo
sempre muito arrogante e mal educado com os súditos que habitavam o reino da “Bestolândia”.
Certo
dia, Pandolfo conhece Ludovica, uma moça muito autêntica e cheia de
personalidade que trata Pandolfo da maneira que ele merece, contrariando-o
sempre que necessário. No início, o príncipe se estarrece com o tratamento sincero e espontâneo que
ele nunca havia recebido antes, mas depois acaba sendo conquistado pela
personalidade de Ludovica a tal ponto que os defeitos da moça, apesar de
evidentes, já não faziam a menor diferença.
A
história de amor de Ludovica e Pandolfo traz à tona uma importante reflexão
sobre a hipocrisia que perpassa as relações de muitas pessoas que, assim como
os súditos da “Bestolândia”, fazem de tudo para se adequar aos padrões
estabelecidos pela classe dominante em busca de status e ascensão social. Em seu livro, Eva Furnari ressalta ainda a importância do respeito às diferenças
físicas, psicológicas, sociais e culturais que possuímos, diferenças que quando
toleradas e compreendidas podem nos completar ao invés de nos segregar.
Durante a
leitura dos quatro volumes desta coleção, a autora nos convida, com palavras
simples e bem humoradas, para um necessário passeio que tem como destino um
lugar onde é possível conhecer o lado feio do bordado, o lado confuso, cheio de
pontas soltas e fios desconexos que, juntos, formam um lindo desenho do outro
lado do pano. Esse lugar, tão bem guardado quanto o umbigo indiscreto de Bunza,
cheio de defeitos como os que Pandolfo aprendeu a tolerar, repleto de tabus
como o “pedúnculo” dos “poscovônios” e ao mesmo tempo tão simples e singelo
como a caverna de Lolo Barnabé, é o que Eva Furnari chama de “O avesso da gente”.
Referências
FURNARI, E. Abaixo
das canelas. São Paulo: Editora Moderna, 2000.
FURNARI, E. Lolo
Barnabe. São Paulo: Editora Moderna, 2000.
FURNARI, E. Pandolfo
Bereba. São Paulo: Editora Moderna, 2000.
FURNARI, E. Umbigo
indiscreto. São Paulo: Editora Moderna, 2000.
GT 2: Autores Consagrados
esse livro e muito legal e ensina a nao ter inveja dos outro pois nao adianta esconder sempre sera descoberto. nossa prof. Audria nos contou a hitoria
ResponderExcluirCresci com minha mãe lendo muitos desses livros amava de mais
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